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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Entrevista A UBI refundou a Covilhã e a Região

12-12-2023

O ensino superior na Covilhã assinalou 50 anos. Meio século que o reitor da Universidade da Beira Interior considera fundamental no crescimento e desenvolvimento da Covilhã e da Cova da Beira. Mário Raposo, o primeiro reitor da instituição formado na universidade, não tem dúvidas em sublinhar que a “UBI refundou a Covilhã” e explica em que medida isso foi feito. Nesta entrevista fala do seu percurso na academia e as apostas que estão em cima da mesa. Critica também a estratégia da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) em alocar poucas verbas do Portugal 2030, ao contrário do que sucedeu noutras regiões.

Recentemente foram assinalados os 50 anos de ensino superior na Covilhã. O professor referiu no seu discurso que a UBI refundou a Covilhã. Em que dimensões isso foi concretizado?
O ensino superior e a Universidade da Beira Interior contribuíram para a refundação da Covilhã e, diria, até da própria Cova da Beira. A Universidade trouxe à nossa cidade o conhecimento necessário para transformar a indústria do têxtil numa indústria competitiva. É evidente que não podia sobreviver o mesmo número de empresas que existiam na época, porque a indústria do têxtil deixou de ser feita através de mão de obra intensiva e passou a necessitar de conhecimento intensivo. As empresas que sobreviveram a essa mudança, fizeram-no com base no conhecimento. A UBI veio dar essa contribuição. Por outro lado, ao produzir novos conhecimentos e em novas áreas, começou a atrair novos setores de atividade para a região. Hoje é conhecido o número de empresas que aqui estão instaladas, nas áreas do software, da informática, ou da mecânica fina. Acresce a isto o facto de existirem várias empresas criadas por nossos ex-alunos que vieram trazer também uma nova dinâmica empresarial à nossa região. Alunos que eram de outras zonas do país, depois estudaram na UBI, criaram aqui a sua raiz e arranjaram aqui a sua perspetiva de vida.

Essa dinâmica foi transversal a várias áreas?
Temos alunos que investem no agroalimentar, em tecnologias de ponta no merchandising, na engenharia de têxtil, ou no desenvolvimento de startups na nossa incubadora UBImedical, baseadas no conhecimento desenvolvido pela investigação. E essas startups começam a chegar à fase de ir para o mercado. Além disso, a Covilhã contribuiu muito para a formação de professores, onde apostámos nas áreas duras do conhecimento, como a matemática e física. Isso também foi importante para apetrechar todas as escolas do interior com professores altamente qualificados nessas áreas científicas. Portanto, tudo isto em conjunto, mais o impacto de atrair alunos para esta região do interior, tornam determinante a importância da universidade. A UBI, neste momento, conta com nove mil alunos, mas ao longo da sua vida já matriculou mais de 50 mil estudantes no primeiro ciclo e mais de 10 mil alunos no segundo e terceiro ciclos. Tudo isto gera um impacto económico importante na região, sendo por isso a UBI um farol esclarecido de desenvolvimento que mudou completamente a nossa região.

O professor é também um exemplo disso. Formou-se na UBI e é o primeiro reitor formado na instituição…
A minha carreira profissional iniciou-se como contabilista nas empresas. Eu fiz aqui a minha formação inicial com o bacharelato em contabilidade e administração. E, entretanto, como sou de famílias humildes, necessitava de dinheiro para a minha vida. Comecei a trabalhar de dia e a estudar à noite. Naquela altura havia o curso noturno no então Instituto Universitário e eu prossegui os estudos na parte noturna, continuei a trabalhar nas empresas e a fazer a minha formação. Depois, quando terminei, ainda estive mais um ano no setor privado, mas abriu aqui uma vaga no Departamento de Gestão e Economia. Concorri, entrei em 83 e estou há 40 anos na Universidade. Todo o meu percurso foi feito dentro da Universidade e esteve ligado ao seu desenvolvimento. No início, no Departamento trabalhamos muito no desenvolvimento de planos para a região, como os de desenvolvimento regional da Cova da Beira e para autarquias, ou ainda PDMs para as câmaras municipais. Entretanto, fiz o meu doutoramento no estrangeiro. Em conjunto com os meus colegas do departamento que também tinham feito doutoramentos fora do país, o Luís Lourenço e a Ana Guzman, trouxe uma nova dinâmica ao departamento de gestão. Criámos o mestrado e o doutoramento em gestão, e a unidade de investigação.

Depois foi convidado para a reitoria…
Fui convidado pelo professor Passos Morgado, então reitor, com o objetivo específico de criar um gabinete de estágios e empregabilidade, e para fazer ligação às empresas. A partir daí tudo se desenvolveu. O professor Santos Silva, quando chegou a reitor, como o professor António Fidalgo, que na altura que era vice-reitor, foi para os Estados Unidos fazer a sua sabática para concluir as provas de agregação, convidou-me para o cargo de vice-reitor, em 1998. Trabalhei no grupo de trabalho da Criação da Faculdade de Ciência da Saúde, que foi muito importante no desenvolvimento de tudo aquilo que veio a acontecer na nossa Universidade. Depois houve um interregno de quatro anos, uma vez que outra equipa da reitoral assumiu funções. Nessa altura fui convidado pela Agência de Acreditação e Avaliação do Ensino Superior para fazer avaliações de cursos a nível nacional. Essas funções deram-me uma visão sobre as áreas da gestão, do marketing, a nível das universidades portuguesas, na medida em que eu avaliava a maior parte dos cursos de gestão a nível nacional.
Então, renovámos muitas das nossas formações, tornámos-nos muito mais competitivos, atraímos mais alunos. O nosso crescimento continuou e finalmente chegou a oportunidade de me candidatar a reitor. Era um sonho que eu tinha, um desiderato, ter uma contribuição também para o desenvolvimento da Universidade. E, de facto, ser o primeiro aluno da UBI, com toda a sua formação na UBI, a chegar a reitor. A partir de mim, a UBI atingiu uma maturidade e agora está numa fase de estabilidade, mais madura e irá prosseguir o seu percurso normal de desenvolvimento de Instituição de Ensino Superior.

Está ligado aos momentos mais importantes desta Academia, na sua perspectiva quais é que foram aqueles que marcaram e deram dimensão à UBI?
A nossa Academia desde o início teve um conjunto de aspectos importantes. No início apostámos em ter uma instituição de qualidade. Estando no interior do país, se não tivéssemos qualidade, facilmente éramos apontados como uma instituição facilitista e seríamos rapidamente ultrapassados. Desde o princípio o objetivo da academia foi a aposta numa instituição de qualidade. Houve a preocupação e a visão - numa época em que não havia recursos humanos em Portugal -, de fazer uma ligação internacional a instituições internacionais dos Estados Unidos, França e Espanha. Os nossos professores de Gestão e de Engenharia de Têxtil passaram a fazer com essas universidades as suas formações. Isto foi muito importante para a qualificação do corpo docente. Quando a instituição deixou de ser pequenina e passou a Universidade da Beira Interior - devo recordar que nessa altura, no Instituto Universitário, nós ministrávamos cursos preparatórios de engenharia de dois anos e os alunos acabavam os últimos três no Técnico, em Lisboa - passámos a dar a licenciatura completa.
Como não havia recursos humanos, mais uma vez, houve a visão de ir buscá-los fora do país. A aposta foi feita em cientistas de leste (Polónia, Ucrânia e Rússia), o que nos permitiu progredir no conhecimento. Na década de 90, registou-se o alargamento da Universidade a outras áreas científicas. Particularmente posso dizer que a minha área (gestão) teve um desenvolvimento quando nos ligámos a um curso de doutoramento que havia na Autónoma de Barcelona.

A Faculdade de Ciências da Saúde é outro marco importante?
De facto, essa Faculdade marca a diferença. Em 1998, quando a criámos, percebemos que o nosso projeto teria que ser diferente. Até porque desde o início que houve polémica em torno da criação de uma nova faculdade de medicina. Fomos procurar um ensino diferente, inovador, baseado numa medicina humanista, centrado no aluno e no doente. Procurámos modelos internacionais em Maastricht, na Holanda; on Instituto Karolinska, na Suécia, e em Espanha, numa universidade vizinha, em Castilla la Mancha, que já estavam a começar com um curso semelhante. Quando saíram os primeiros alunos verificámos que eles eram tão bons profissionais ou melhores que os de outras universidades. 25 anos depois, os nossos alunos são de topo, exercem as suas funções de médicos de forma exemplar e alguns são reputados a nível nacional. Já neste século decidimos criar uma estrutura própria para apoiar quem tem ideias de negócio, a incubadora UBIMedical, que hoje é uma estrutura muito importante, é um ecossistema reconhecido a nível nacional. A par disto, fomos também crescendo em várias científicas, como as artes, o design ou a arquitetura.
E é este o percurso destes 50 anos. Mas há um dado curioso que poucas pessoas sabem. Em 1979, como Instituto Universitário da Covilhã, a comissão instaladora, presidida por Duarte Simões, fez um plano em que escreveu que o objetivo seria criar um curso de medicina em 20 anos. E o curso foi criado em 1998.

E agora qual a perspetiva do futuro para a UBI?
Estamos numa fase de consolidação. Atingimos um patamar de crescimento que nos obrigar a refletir um pouco sobre como devemos avançar e adaptar a nossa estrutura ao crescimento que tivemos. Convém referir que a UBI foi subfinanciada pelo Orçamento de Estado nos últimos 10 anos. E se no início ninguém acreditava nesse subfinanciamento ele foi referenciado pelo relatório da OCDE. Nestes 10 anos foram menos 60 milhões de euros que a UBI recebeu e que deveria ter recebido. É muito dinheiro, o que obrigou a que quem esteve à frente da instituição a gerisse com muitos poucos recursos e se investisse pouco. Não só não se pôde contratar mais recursos humanos e como não se melhoraram as infra-estruturas que foram envelhecendo. E agora temos que mexer nisto tudo. Felizmente que apareceu o PRR que nos permitiu apresentar candidaturas, para transformar as residências mais modernas, remodelar os restaurantes (cantinas) de apoio e renovar edifícios.

Mas o futuro da UBI passa muito pelo Plano Estratégico definido para 2020-30?
Definimos os nossos objetivos nesse plano e até nos podem acusar de alguns serem difíceis de concretizar, mas nós temos que ter uma meta. Os Planos estratégicos são um guia e flexíveis, devendo ir-se adaptando aos contextos. A ideia é continuarmos a consolidar as área que temos na universidade, melhorar os serviços aos alunos, renovar (e aumentar) o nosso corpo de funcionários, e intervir na carreira docente. Neste caso concreto já fizemos 88 concursos internos e vamos abrir concursos para a base da carreira, no sentido de rejuvenescer o corpo docente. No que respeita a formações, o sonho seria termos um curso de direito, o que implica ter um corpo docente próprio, o que nos exige algum trabalho. Continuaremos a trabalhar com os agentes do território e não vejo que a região possa sobreviver sem a nossa universidade. Há também um dado importante é que Castelo Branco é o distrito do interior do país com mais alunos no ensino superior, o que se deve à UBI e ao IPCB, num total de 13 mil alunos, sendo que a UBI tem nove mil. Não fora o ensino superior, e a região estaria muito pior do que está. Os políticos têm que continuar a olhar para o ensino superior como um projeto de desenvolvimento regional.

Teme que esta rede de ensino superior existente possa ser colocada em causa?
O perigo é haver um conjunto de ideias centralistas que permitam às instituições do litoral aumentar a sua capacidade instalada. Essa é a grande ameaça para o interior do país. É claro que nós não iríamos desaparecer. A UBI teve 1161 alunos em primeira opção. Tem que haver um equilíbrio entre o que é o desejo das pessoas e o interesse do país.

Foi já implementado para 2024 um novo modelo de financiamento. Qual é a posição da UBI?
Este modelo foi apoiado por nós e por todas as que estão subfinanciadas. No CRUP trabalhámos para que este modelo tivesse consenso e fosse aprovado pelo Governo. Demonstrámos que tínhamos razão. Tínhamos instituições, como a UBI, com cursos com custos elevados, como a medicina e engenharias, e o financiamento por aluno que recebíamos era de três mil euros, quando a média nacional era de quatro mil e 200 euros. Isso não podia continuar. Este modelo veio dizer que deveria haver alteração. O número de alunos era o indicador com dados concretos e o foi o adotado, tendo em conta ponderações. A UBI teria direito a muito mais, mas este é um caminho que se faz caminhando. Havia o compromisso da tutela que este caminho continuaria até 2027 no sentido das universidades subfinanciadas estarem o orçamento padrão. Esperemos que isso continue.

Uma das questões que se coloca está relacionado com as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional e as empresas também contribuírem para esse financiamento. As IES do interior não ficarão prejudicadas?
O problema do financiamento está relacionado com a política geral do país. Nós sabemos como é que o dinheiro vem da União Europeia para Portugal. Isto resulta do facto do país ter uma faixa no interior que fica em termos do PIB muito abaixo da média comunitária. Se tirarmos a faixa do interior e deixarmos apenas o litoral, verificamos que Portugal fica acima da média europeia e não teria direito a (tantos) fundos. O que acontece é que geralmente o dinheiro é entregue ao país, mas depois utilizam-se subterfúgios para o levar para outras zonas que não são do interior. Somos um país desequilibrado, o litoral tem muito mais peso em termos de deputados que o interior. Depois criam umas metodologias novas, com as regiões de baixa densidade. Mas uma região de baixa densidade ao pé de Lisboa, não tem a mesma dinâmica que uma do interior. As políticas que criaram foi uma forma de levar o dinheiro daqui. Depois, ao nível das CCDR há muitas diferenças entre as estratégias do Norte, Centro e Sul. Enquanto no Norte há a ideia de que se devem apoiar as universidades e muito do dinheiro é para esses projetos, no Centro foi deixado no 2030 uma verba muito restrita (15 milhões de euros) para nove instituições em cinco anos… Na zona centro foi cometido um erro, pois o dinheiro foi alocado para outras apostas, quando o que precisamos é investigação e inovação e isso está no ensino superior. A continuar assim, vamos chegar ao final do novo Quadro Comunitário e continuarmos na mesma, com as assimetrias no território.

Mudando de assunto, recentemente a UBI abriu um canal de denúncias. A que é que se deve esta aposta?
Está na legislação que as instituições o devem criar. A UBI desde há muitos anos que vem apostando em ações inovadoras nesse sentido. Fomos das primeiras universidades a criar o Plano de Igualdade de Género, em 2011. Criámos também uma Comissão de Ética. A fase seguinte era criar o canal de denúncias, anónimo, com várias vertentes como assédio (moral, laboral e sexual) ou prevenção de corrupção, e que é analisado por uma vice-reitora.

A UBI foi fundadora da UNITA - uma aliança com universidades europeias - e viu recentemente a entrada de novos membros. Como é que é que perspetiva o futuro desta rede e que balanço faz do trabalho realizado?
Esta é uma aliança feita com instituições de línguas românicas (Portugal, Espanha, Itália, França e Roménia) e que estão instaladas em zonas mais rurais. Foi uma experiência que correu muito (e está a correr) bem, embora tivéssemos atravessado uma pandemia, o que impediu a circulação de pessoas durante esse período. A UNITA permite que se façam unidades curriculares numa das suas universidades sendo reconhecidas pelas outras. A fase seguinte da Aliança foi o seu alargamento. Cada país convidou uma instituição e nós convidámos o Politécnico da Guarda que também é uma região de montanha. Mas a União Europeia permitiu também que pudessem existir universidades associadas, pelo que convidámos uma instituição ucraniana e uma outra da Suíça. Vamos desenvolver esta rede no sentido de termos co-titulações dos cursos. Para além disso, criámos também uma entidade legal para nos podermos candidatar a fundos fora da UNITA para outras áreas como o digital e para a contratação de profissionais.

Até onde pode crescer a UBI?
Tudo dependerá do crescimento da população jovem em Portugal, o que está também ligado à imigração. Portugal tem um problema demográfico complicado. Nós já temos crescido à custa de alunos internacionais, numa aposta clara no Brasil, na América do Sul e na Ásia. Estamos a procurar montar parcerias no sentido de poder formar alunos em áreas em que há menos procura a nível nacional. No que respeita às formações, poderemos crescer na área da saúde, mas isso implica aumentar a faculdade, pois as instalações não chegam e não há dinheiro. Gostaríamos de ir ao Portugal 2030 buscar verbas para um edifício novo, mas nos tais fundos do Centro não há dinheiro para isso.

Issa aposta em captar alunos estrangeiros passa também por ministrar cursos em inglês?
Sim isso é fundamental. Estamos a ministrar unidades curriculares em inglês, mas temos que ter formações em inglês. Temos uma experiência interessante, em Consórcio com a Universidade de Aveiro e do Minho, que é o doutoramento em marketing e estratégia, e que decorre todo em inglês, e que todos os anos preenche as suas vagas.

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