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Propostas Estes estão de volta - parte II

15-12-2025

No escrito anterior debruçámo-nos sobre lançamentos de filmes estreados há 40, 50 anos, ou seja, a moda das novas reprises e, em concreto de Tubarão (Steven Spielberg), na celebração nos seus 50 anos e Regresso ao Futuro (Robert Zemeckis), para lembrar os 40 anos da sua estreia.

Desta feita vamos continuar a recordar filmes estreados em 1975, começando pelos que constam na lista da revista Sight&Sound que em 1952 chamou uma série de críticos para escolherem os melhores filmes de sempre, uma tradição que passou a ter lugar de dez em dez anos, sendo que das escolhas de 2022, a última, três filmes produzidos há 50 anos constam dessa lista de referência, sendo que um deles foi mesmo o vencedor. Segundo a publicação, nesta edição, a maior de sempre, com 1.639 críticos, programadores, curadores, arquivistas e académicos a participarem, tendo cada um submetido a sua escolha dos dez melhores filmes. Na primeira edição Ladrões de Bicicletas (Vittorio De Sica, 1952) foi o filme escolhido, a que se seguiu em 1962 Citizen Kane (Orson Welles, 1941) que se manteve imbatível até 2012 quando foi destronado por Vertigo (Alfred Hitchcock, 1958).

Foi curto o reino do filme de Hitchcock. Mesmo relativizando a lista, todas as listas, em 2022 nova alteração na tabela e surpreendentemente é Jeanne Dielman, 23 quai du Commerce, 1080 Bruxelles (Chantal Akerman, 1975) a merecer as preferências do amplo painel. Um filme corajoso em que a condição da mulher é abordada de forma frontal, uma vez que a realizadora filma o quotidiano de Jeanne Dielman, uma mulher que vive com o filho e que para conseguir algum dinheiro extra recebe homens pela tarde. Até aqui nada de extraordinário, só que as tarefas da casa, são filmadas em tempo real e com um rigor e uma poética que não era habitual no cinema dos anos setenta, mesmo o europeu, como o simples descascar de batatas para irem para a panela, a preparação de um rolo de carne para o forno ou a ida às compras. Este exercício estético desaguou num filme de mais de três horas o que explica a sua pouca vocação comercial. Já no ano anterior a directora experimentou esta sua preferência por planos longos e lentos no desafiante Je tu il elle, protagonizado por Akerman, expondo sem concessões a sua sexualidade. Já em 2000, com produção de Paulo Branco, em A Cativa, sobre a insanidade da possessão doentia que asfixia a mulher. Mais uma vez o feminismo no cinema da autora e a desproporção dos relacionamentos em desfavor da mulher.

Os outros dois filmes que mereceram figurar na lista dos melhores de sempre e datado de 1995 são Barry Lyndon, de Stanley Kubrick, já referido, e O Espelho, de Andrei Tarkovski, uma obra-prima na curta filmografia deste realizador soviético que não tinha do regime os favores destinados a quem flirtava com o aparelho. Pois, sem o afirmar, nos seus filmes perpassava a decadência e a pobreza do “paraíso na Terra”. Não estranha, pois, que tenha acabado a filmar no estrangeiro e falecido em 1986 em França, sem, porém, deixar de abordar o seu país nos filmes, quer feitos em Itália ou na Suécia. Porém, outros filmes seus figuram nesta escolha de 2022, casos de Andrei Rublev, de 1966 e Stalker, de 1979, este último, a par de Solaris (1975), duas incursões do director no universo da Ficção Científica, na adaptação de obras de respectivamente,  Arkadiy Strugatskiy e Boris Strugatskiy e Stanislaw Lem.

Nos anos setenta do século passado os Estados Unidos viram crescer o que veio a ser conhecido por Blaxpoitation,  um subgénero cinematográfico no qual os afro-americanos reclamam um espaço de representatividade no cinema e onde sobressai Pam Grier, protagonista de filmes de empoderamento feminino negro, dos quais talvez o mais  representativo seja Foxy Brown (Jack Hill, 1974), sendo que em 1975, Boss Niger, de Jack Arnold engrossa a nossa lista dos cinquentenários. Quentin Tarantino com Jackie Brown, de 1997, tem em Pam Grier uma protagonista muito ao estilo blaxploitation, sabendo nós que o realizador gosta de homenagear e citar os vários géneros nos seus filmes.

Nesta nossa revisitação destaque para a última obra de Pier Paolo Pasolini, seria assassinado pouco tempo depois de terminar Saló ou os 120 dias de Sodoma. Como em muitas películas suas, ou quase todas, a sua estética foi sempre difícil de assimilar. No caso em análise estamos perante uma frontal crítica ao fascismo e ao poder. Apesar de se inspirar na obra de Sade, a Pasolini interessou-lhe mais a denúncia política e ideológica, sem abandonar os exageros sexuais e escatológicos do Marquês num interminável desfile de imagens provocadoras e repulsivas, levando ao limite um retrato chocante da crueldade, da repressão e da dominação, aqui e ali salpicadas pelo seu anticlericalismo. Todavia, o seu ateísmo não o impediu de em O Evangelho Segundo São Mateus, de 1964, transpor a doutrina de Jesus para os nossos dias, numa revisitação também política dos Evangelhos, mas fiel, merecendo mesmo elogios da Igreja.

Deixo a pergunta que fiz o mês passado: qual o melhor filme de 1975? O que escolhi na altura pode já não ser o de agora. Ou será?

Bons filmes e até à próxima!

Luís Dinis da Rosa
IMDB
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