Não tive ainda oportunidade de visualizar o filme de Abel Gance, Napoleão, de 1927. Aquela que é unanimemente reconhecida como uma obra-prima, não só pelo tratamento cinematográfico do percurso e história do soldado corso que chegou a Imperador de França, mas também pelas inovações tecnológicas que o cineasta criou para esta monumental obra de seis horas. E, é na conjugação da duração com as exigências técnicas, nomeadamente em termos de exibição, que um filme tão impactante, tenha enfrentado dificuldades para chegar a um público alargado. De entre essas inovações técnicas, com rasto nos dias de hoje, desde câmaras presas no corpo dos operadores, em cima de cavalos e outras, saliência para o écran tríptico, o split screen, mas que exigia ser projectado com três câmara, porque também foram três a filmar, o que para os exibidores era uma enorme limitação, tanto mais que o investimento na altura estava direccionado para apetrechar as salas para a nova coqueluche, o sonoro, o que militou em desfavor deste Napoleão. Depois de uma estreia auspiciosa na Ópera de Paris em 1927, este filme megalómano falhou em toda a linha na distribuição comercial e junto do público, ao ponto de o própria Gance ter ensaiado versões mais curtas, incluindo uma sonora, mas que tiveram também resultados desastrosos. Foi já nos anos de 1960 que o crítico inglês Kevis Browlow, com o apoio do lendário director da Cinemateca Francesa, Henri Langlois, se dedicou à recuperação da obra, culminando já nos anos de 1980 por apresentar uma versão de 5 horas e 23 minutos. Porém, se lembrarmos que o filme retrata somente os primeiros anos da carreira de Napoleão Bonaparte, até à invasão de Itália, muito haveria a dizer. É que, no pensamento de Gance, esta era a primeira de um filme em seis partes. No seu atribulado percurso, o filme teve ainda uma versão da responsabilidade de Francis Ford Coppola, tintada, com 232 minutos, exibida há alguns anos na Gulbenkian. A versão completa estreou em Portugal em 1929, em três sessões, sendo que a versão reduzida editada pelo realizador já por cá havia estreado em 1928. Ainda não perdi a esperança de ver a versão mais completa existente.
Menos atribulados foram outros Napoleões que apareceram no cinema, alguns deles via Guerra e Paz, adaptados da monumental obra de Lev Tolstói. Destaque para o(s) filme(s) de Sergei Bondarchuk, em quatro partes, 1965-67, ao todo mais de 8 horas, outra megalomania, aqui ao estilo soviético de glorificação da pátria (soa familiar, nos dias que correm) ou para a adaptação que King Vidor havia dirigido em 1956, uma narrativa romântica que tem como pano de fundo a desastrosa campanha de Napoleão (Herbert Lom) de 1812 na Rússia, com Audrey Hepburn, Henry Fonda e Mel Ferrer. Um Napoleão não muito parecido com o original é certamente o interpretado por Marlon Brando em Desirée (Henry Koster, 1954), uma incursão épica nos amores e desamores de Napoleão, pela jovem Desirée Clary e por Josephine de Beauharnais, com quem sabemos, viria a casar, aliás não muito longe da trama do filme que nos traz aqui, Napoleão, de Ridley Scott (2023).
Para adiantar serviço, o filme de Scott é uma desilusão, aliás o que se vem tornando hábito no realizador inglês quando se lança no mundo dos épicos históricos, numa abordagem mais perto das adaptações de super-heróis, um díptico em que de um lado estão os amores e desamores do nosso herói, com algumas performances do homem em ritmo acelerado no seu afã de lograr um herdeiro de Josephine (faz lembrar, num olhar apressado, a série Napoleon and Love, protagonizada por Ian Holm, de 1974, mas uns furos abaixo desta) e do outro lado algumas das batalhas que protagonizou, carnificinas, melhor dizendo, adoptando o tal estilo super-heróis, muito pela rama e com resultados sofríveis, quando descarrega efeitos especiais para cima da tropa. Não vamos discutir as querelas históricas que se desenvolveram à volta do filme, por que ele é isso mesmo, um filme, não um compêndio de História, mas estamos em querer que o realizador poderia e deveria ter feito melhor. De Ridley Scott, o tal de Alien - o 8º Passageiro, de Blade Runner ou de Thelma e Louise, esperamos sempre mais. Por falar nisso, o cineasta vai fazer um Director’s Cut com mais 92 minutos!
Uma última palavra para o Napoleão de Joaquin Phoenix. Apesar de bem acompanhado pela sua Josephine (Vanessa Kiry), criou um boneco entre o seu Joker e o Batman de O Cavaleiro das Trevas, pouco convincente, como Brando já havia sido na sua personificação do militar corso.
Até à próxima e bons filmes!
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