Este website utiliza cookies que facilitam a navegação, o registo e a recolha de dados estatísticos.
A informação armazenada nos cookies é utilizada exclusivamente pelo nosso website. Ao navegar com os cookies ativos consente a sua utilização.

Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Bocas do Galinheiro Directors’ cut

23-05-2022

Nos últimos anos vulgarizaram-se as Directors’ Cut, versões de filmes, deferentes das que passaram nas salas de cinema, em que ao realizador é dada a liberdade de acrescentar cenas que foram cortadas, ou mesmo montar uma versão menos comercial, ou seja, dar-lhe um toque pessoal que por variadíssimas razões não pôde imprimir na versão inicial, quer por razões de mercado quer de produção. Aliás, são famosas algumas versões exibidas à revelia dos realizadores, na maioria das vezes por exigência dos estúdios.
Aquando do ciclo “Filmes e Censura” que a Cinemateca passou no Quarteto, João Lopes, a propósito dos processos de censura, no texto que elaborou para o catálogo cita uma carta do realizador Peter Bogdanovich à revista “Sight and Sound”, em que este chamava a atenção para o facto de o seu filme “Targets” estar a ser exibido com uma duração inferior em 14 minutos à da sua versão integral e em que concluía que “a história dos filmes está cheia de carnificinas maiores do que esta – e muito lamentáveis – mas creio que cada uma delas, por mais reduzida, deve ser anotada, discutida e combatida, na esperança de que cada luta reduza de algum modo as possibilidades de tais coisas acontecerem. Apesar de tudo, gostaria de pensar que estamos a ganhar”.
Por seu lado, e no mesmo catálogo, é respigado Homero Alsina Thevenet que escreveu no seu “El Libro de la Censura: “O resultado de todos os planos abortados, cortes, retoques e proibições deveria ser um fundo lamento pela desventura do cinema. Nenhuma explicação é suficiente para enxugar esse pranto, mas pelo menos metade dos males surge relacionada com o sistema de livre empresa. Se John Huston entra em choque com o produtor David O. Selznick (a propósito de “A Farwell To Arms”); ou George Cukor com o produtor Zanuck (a propósito de “The Chapman Report”) ou Ruben Mamoulian com a Fox (a propósito de “Laura”) cabe recordar que nesses casos, como noutros, Selznick, Zanuck e a Fox estavam a investir dinheiro num projecto e defendiam-no com o seu melhor critério, equivocados ou não. E se o seu melhor critério era prescindir desses realizadores e substituí-los por outros, algumas queixas poderão recair sobre os artistas subordinados ao capital e aos industriais, mas essa é a consequência inevitável de que o cinema seja produzido por empresas e não por cooperativas de artistas. Do mesmo modo, quando a Warner corta metragem à versão terminada de “A Star is Born” (1954), ou quando a RKO nega a Orson Welles o direito de aprovar a versão definitiva de “The Magnificente Ambersons” (1942), é bom recordar que a Warner e a RKO eram, respectivamente, as donas legais desse material.” Voltando a João Lopes, entre outros lembra que o “caso de ‘Journey into fear’ (1943), que a produtora RKO retirou ao seu realizador Orson Welles, na sequência dos problemas (industriais e comerciais) suscitados pelos seus filmes anteriores: Citizen Kane e The Magnificente Ambersons”.
Ora, é um pouco nesta linha que as grandes produtoras, tirando partido das potencialidades, primeiro das cassetes de visualização caseira, depois dos DVD e agora do Blu-Ray, este com enorme aproveitamento, se viraram para as Directors’ Cut, captando cinéfilos, e não só, para a descoberta de filmes vistos numa versão diferente, para além de juntarem bombons diversos, de comentários do realizador, featurettes das filmagens e de outros materiais. Enfim, temos que confessá-lo, material que muitas vezes dá mais gozo que o próprio filme.
Não estranhou pois que filmes de culto como “As Portas do Céu” (1980), de Michael Cimino, amputado em quase metade do tempo inicial de projecção, apesar do enorme falhanço que representou, do abalo financeiro que representou para as produtoras, falências incluídas, apareceu anos depois no Festival de Berlim numa versão de 225 minutos em 2005, uma final cut, mais que a versão do realizador, deu nova luz a este fracassado épico. Por seu lado “Blade Runner” (1982), de Ridley Scott, cuja versão inicial, principalmente o happy end imposto pelo estúdio, não foi do agrado do realizador nem da estrela principal, Harrison Ford, por causa da voz off, conheceu uma directors’ cut em 1992, não totalmente do agrado de Scott, o que levou ao aparecimento em 2007 da Final Cut, não deixando, ou será que ainda deixa? de que Deckard, a personagem de Ford é ela mesma um replicant, a discussão recorrente, digo eu, eterna, à volta de Blade Runner, o filme de FC, digo eu também, com opiniões divergentes de Scott e Ford.
Outro filme de culto, pela temática, por Brando, e pela turbulência, também no sentido literal do termo, que envolveu as filmagens, “Apocalypse Now” (1979), de Francis Ford Coppola, conheceu em 2000 a versão definitiva do realizador, “Apocalypse Now Redux”, que além do acréscimo de tempo relativamente à versão que estreou no cinema, não trás nada de novo, antes pelo contrário, as cenas introduzidas, na sua maioria, só estragam. A prova de que não se deve mexer no que está bem. Aliás há outros exemplos, da versão de Spielberg de “E.T.”, na edição do 20º aniversário do filme, a “The Abyss”, de James Cameron, passando pela edição especial em 1980 de “Close Encounters of the Third Kind” (1977), também de Spielberg, para não falar da versão de “Brazil” (1984), feita à revelia de Terry Gilliam, uma tentativa falhada dos estúdios de aproveitarem o filão das versões definitivas.
Filão ou oportunidade, para quem gosta de cinema, são sempre bem-vindas.
Até à próxima e, bons filmes.

Luís Dinis da Rosa

Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico

IMDB
Voltar