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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVIII

Opinião Defender a escola pública, meio século depois

Não estranha, que nesta escusada conjuntura de desalento e de fortes emoções, os profissionais do ensino com mais consciência social e cultural vejam os perigos que espreitam a escola pública, democrática e inclusiva, erguida sobre a estrutura de ensino elitista que o Portugal democrático herdou da ditadura fascista, mas que, felizmente, foi consolidando nestes últimos 51 anos.
Convenhamos que a aspiração de pensar uma escola que promovesse a igualdade de oportunidades e atenuasse as desigualdades sociais se viria a revelar como uma das utopias educativas das últimas décadas, mas pela qual temos o dever cívico de continuar a lutar.
Em boa verdade, mesmo os mais cépticos, reconhecem que as democracias europeias estão longe de poder inventar uma outra instituição capaz de corresponder, com tanta eficácia, às demandas sociais, quanto o faz ainda hoje a escola pública democrática e inclusiva.
Mesmo sabendo que fenómenos, como o são o abandono e o insucesso escolar, a reprodução das desigualdades dentro da comunidade educativa, a incapacidade de manter currículos que valorizem para a vida, a erosão das competências profissionais dos docentes, acompanhada pela perda de estatuto remuneratório e social são problemáticas que colocam em causa os pressupostos dessa mesma escola pública.
Hoje, a vida nas escolas é talvez menos atraente para quem nelas estuda e trabalha e a desmotivação dos professores e dos educadores acentua-se com a degradação das suas condições de trabalho.
Todos sabemos, ou julgamos saber, como deve ser e o que deve ter uma escola pública que promova a aprendizagem efectiva dos seus aprendentes e o bem-estar e a profissionalidade dos seus formadores.
Todavia, há uma questão que introduz toda a entropia nestas instituições, e esta surge quando os governos se deitam a fazer contas sobre quanto custa garantir esses direitos. Sobretudo, quando os políticos sabem que todo o investimento em educação só produz efeitos a longo prazo, o que não se compagina com a gestão do calendário dos seus curtos ciclos eleitorais.
Não queremos uma escola pública que seja de baixa qualidade. Por isso estamos com todos os que afirmam ser urgente relançar a escola inclusiva, pela igualdade e pela democracia. Uma escola que seja exigente na valorização do conhecimento e promotora da autonomia pessoal. Uma escola pública, laica e gratuita, que não desista de uma forte cultura de motivação e de realização de todos os membros da comunidade escolar. Uma escola pública que, enfim, assuma os seus alunos como primeiro compromisso, que seja lugar de democracia, dentro e fora da sala de aula, que se revele enquanto espaço de aprendizagem, e que se envolva no debate, para reflectir e participar no complexo mundo em que hoje vivemos
Formar a geração de amanhã não é tarefa fácil. Mas será certamente inconclusiva se escrutinarmos a escola e o trabalho dos professores apenas segundo critérios meramente economicistas, baseados numa filosofia de desenvolvimento empresarial.
A escola é muito mais que isso: é filha de um outro espaço social e de um outro tempo matricial. Logo, se o quisermos, nesta matéria nada se deveria confundir, quando claramente estabelecidas as fronteiras sociais do quadro de competências e dos objectivos de missão de cada uma daquelas instituições.
Defender a escola pública, nesta conjuntura do inexplicável imprevisto, é demasiado urgente. Para tal, revela-se necessário que voltemos a exigir políticas públicas fortes, capazes de criar as condições para que a escolaridade obrigatória seja, de facto, universal e gratuita e se assuma, sem tibiezas, que o direito ao sucesso de todos, em pé de igualde, seja ela qual for, é um direito fundador da democracia e do Estado democrático, com mais de meio século de existência.

João Ruivo
ruivo@rvj.pt

Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico