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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Opinião Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCXXXIV)

Pontinha, 14 de maio de 2043

Houve uma idade áurea da educação brasileira. Aquela que, tendo começado no tempo de Lourenço Filho e do desencarne de Eurípedes, se prolongou até meados da década de sessenta. Nesse período, o nome de Anísio esteve sempre ligado a iniciativas que, se uma ditadura as não detivesse, talvez a educação de um país nesse tempo chamado de “terceiro mundo” se alçasse a níveis de qualidade muito superiores aos do “primeiro”.
Estávamos em 1971. E, nesses tenebrosos tempos, a luz que Anísio lançou sobre a Educação do Brasil quase se extinguiu com o seu sepultamento.
Assumindo as contradições da época em que viveu, defendeu a aplicação do conhecimento científico na educação. Contudo, o discípulo de Dewey considerava ser a educação uma arte, algo mais complexo do que uma ciência, estava crente de que a educação poderia atingir o nível das belas-artes, criticando a “aplicação precipitada ao processo educativo de experiências científicas que poderiam ter sido psicológicas, ou sociológicas, mas não eram educacionais, nem haviam sido devidamente transformadas ou elaboradas para a aplicação educacional.”
Anísio não imaginaria como o Brasil viria a sofrer com a invasão de modismos e o transplante de produtos de ciência de laboratório no chão da escola, mantendo-se intocável o essencial do velho modelo de escola: “o tratamento do aluno como algo abstrato a ser manipulado por critérios de classificação em grupos supostamente homogêneos, dando ao professor a falsa esperança de poder ensinar por meio de receitas, muitas das quais de científicas só tinham a etiqueta.”
Como seria útil aos educadores dos ido a leitura das suas obras! Teriam concluído ser necessário suster reformismos e experimentalismos e enveredar pela via da concepção de uma nova construção social de aprendizagem.
Mas, o novo ministério havia optado pelo back to basics, por uma sobralização de origem anglo-saxônica, confundindo desenvolvimento educacional com a construção de prédios escolares, confundindo educação integral com a ampliação do tempo passado dentro desses prédios. E os professores estavam demasiado ocupados na luta pela sobrevivência, não lhes sobrava tempo para o estudo.
Anísio não cabia no deserto de ideias dos idos de vinte e três. Quase nada mudara, desde a década de quarenta, quando o Mestre dizia ser aquele o “momento brasileiro”, o real divisor de águas entre as duas mentalidades que se defrontavam no Brasil: de um lado, os que, explícita ou implicitamente, não acreditam no Brasil, e de outro, os que acham que a nação se pode redimir pela educação.
Nada de novo se anunciava. A reelaboração da cultura de escola e da cultura pessoal e profissional dos professores não acontecia. Se no Portugal desse tempo, a formação de professores era uma mentira assente no desperdício de milhões de euros, a do sul tropical se esgotava em si mesma, era um repositório de receitas avulsas debitadas sobre auditórios passivos. Os formadores faziam apelo teórico à prática de “metodologias ativas”, mas a metodologia efetivamente utilizada na formação era a completa negação da teoria.
A dimensão técnica nem era a mais importante, embora não devesse ser alienada. Num país onde a praga do analfabetismo ainda não fora erradicada, era inconcebível que houvesse quem não tivesse alguma vez trabalhado no chão de escola e orientasse formação em domínios tão sensíveis como o da alfabetização. Mas era o que acontecia, comprometendo esforços de mudança.
Felizmente, paralelamente ao “desnorte” instituído, algumas “suliações” aconteciam.

José Pacheco
Professor, fundador do projeto educativo da Escola da Ponte