O escritor moçambicano Mia Couto considera um “dever moral” envolver-se na promoção do livro e da leitura em Moçambique e lamenta que o trabalho da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) em prol da cultura seja “praticamente inexistente”.
Em entrevista, Mia Couto contou que o novo livro para a infância, “As Sementes do Céu”, que sai na terça-feira em Portugal, terá uma edição também em Moçambique, “numa relação de colaboração” entre a Caminho e a Fundação Fernando Leite Couto, um projeto cultural criado pelo escritor e pela família, há dez anos, em Maputo.
Quando questionado sobre as dificuldades em Moçambique na promoção do livro e da leitura, Mia Couto disse que “as pessoas querem ler e não podem, não têm acesso”.
“Aqui [em Portugal] provavelmente é um pouco ao contrário. Há acesso, mas não há muita vontade para se ler. Os livros em Moçambique esgotam completamente e seria uma área importantíssima de a gente explorar com editoras do Brasil, Portugal, etc., sobretudo livros infantis que pudessem ser distribuídos”, disse.
Para Mia Couto, “do ponto de vista do que é a Cultura”, o trabalho da CPLP “é praticamente inexistente”: “Tenho mais crença em coisas que sejam feitas por iniciativas particulares, de Governo para Governo em regime de cooperação lateral ou multilateral”.
Em 2015, quando a Fundação Fernando Leite Couto foi criada em memória do pai, Mia Couto dizia que este seria um espaço para a promoção das arteSílvia Borges da Silva | LUSAs moçambicanas e para dinamizar o debate sobre as artes em Moçambique.
No que toca à promoção do livro e da leitura, além da criação de um prémio literário e da atribuição de bolsas, Mia Couto deu como exemplo uma iniciativa recente, feita com o apoio de uma entidade bancária, de distribuição gratuita de 25 mil livros.
“Eu vou a uma escola de Moçambique e [vejo] os olhos das crianças, a maneira como querem beber a vida, e têm a crença de que a escola as vai salvar da miséria. É impossível ficar indiferente a isso”, afirmou.
“E às vezes aqui na Europa eu vou a uma escola e os meninos têm isso como um dado adquirido. É como quem tem de ir buscar um balde de água ao rio e quem abre a torneira. É uma conquista. Tudo isso cria uma outra relação que se torna obrigatório em estar presente”, sublinhou.
Mia Couto nasceu na Beira, em Moçambique, em 1955, tendo sido jornalista e professor - atualmente é biólogo e escritor.
Prémio Camões em 2013 e José Craveirinha em 2022, Mia Couto é autor, entre outros, de "Jesusalém", "O Último Voo do Flamingo", "Vozes Anoitecidas", "Estórias Abensonhadas", "Terra Sonâmbula", "A Varanda do Frangipani", "A Confissão da Leoa" e de vários livros ilustrados para a infância.
Traduzido em mais de 30 línguas, o escritor foi igualmente distinguido com o Prémio Vergílio Ferreira (1999), com o Prémio União Latina de Literaturas Românicas (2007) e com o Prémio Eduardo Lourenço (2011).
Em 2024 editou o romance "A Cegueira do Rio".