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Pedro Gomes, professor de economia em Birkbeck - Universidade de Londres Semana de 4 dias: projeto piloto avança este ano

20-01-2023

Pedro Gomes coordena a experiência-piloto da semana de trabalho de quatro dias promovida pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e acredita que esta mudança de paradigma para trabalhadores e empresas pode salvar a economia.

Quando rebentou a guerra na Ucrânia, e emergiu a questão energética, considerou que implementar a semana de quatro dias seria «a arma mais poderosa» para combater os novos desafios. Um ano depois, continua a pensar o mesmo?
Foi pouco tempo após a invasão da Ucrânia por parte da Rússia que defendi que a semana dos quatro dias seria uma arma bem mais poderosa do que o plano bélico gizado para apoiar os ucranianos e, ao mesmo tempo, libertar os europeus da chantagem de Putin.  Isto numa perspetiva de poupança energética. Para além disso, existia o precedente histórico no Reino Unido, nos anos 70. Confrontados com problemas energéticos, a resposta passou pela adoção durante dois meses de uma semana de três dias. Muitos antecipavam uma catástrofe económica, o que não se concretizaria. As perdas foram marginais. Registaram-se até ganhos de produtividade porque o trabalho desenvolvido foi mais eficiente e a poupança de energia foi conseguida.

Quem são os principais beneficiados com a introdução de uma semana de quatro dias de trabalho?

No essencial, é uma melhor forma de organizar a economia no século XXI. A sociedade e a economia de agora são muito diferentes do que eram há 50 anos. Tanto no prisma da longevidade, como na tecnologia, etc. Mudou tudo e continuamos a trabalhar e a organizar o trabalho da mesma forma. Por isso, defendo que é mais benéfico organizar uma semana de trabalho concentrada em quatro dias.

Só a Hungria e a Polónia é que nos ultrapassam em horas semanais trabalhadas na Europa. Estes dados comprovam que os portugueses trabalham muitas horas e, a avaliar pelos índices de produtividade, com défice de eficiência. A semana de quatro dias podia ser a “panaceia” para este problema?

Vejo-a como parte da solução. É por isso que muitas empresas de vários setores, em todo o mundo, estão a adotar este modelo de semana laboral como prática de gestão porque observam esses ganhos de produtividade dentro da empresa. Primeiro, os trabalhadores estão mais descansados, logo trabalham melhor nos outros dias, aumentando a produtividade. Mas não se pense que a semana de quatro dias implica só passar a ter um dia livre à sexta-feira. É muito mais do que isso. Envolve, principalmente, a mudança nos processos e nas formas de trabalhar dentro da empresa, como caminho para obter um retorno em termos de ganhos de competitividade.

Que conselhos advoga para alterar os processos e a forma de trabalhar?

Introduzir inovações tecnológicas, reduzir o tempo consumido nas reuniões para meia hora e, no fundo, promover condições para agilizar processos. É importante a redução de custos intermédios, como a energia, o desperdício de matéria-prima e o próprio absentismo. Numa semana de quatro dias constata-se que os trabalhadores faltam muito menos. Quer pela melhoria da saúde física, quer pela melhoria da saúde mental, nomeadamente evitando o “burnout”. E há outros aspetos. Na semana de quatro dias, o trabalhador pode, no dia livre, ir ao médico ou levar o filho a renovar o bilhete de identidade. Outro ponto importante é o aumento da capacidade de retenção dos trabalhadores.

Pode explicar melhor essa vantagem?

Uma empresa em que 10 por cento dos trabalhadores saem todos os anos, torna-se muito difícil de gerir. É importante perceber que a saída de um trabalhador de uma empresa custa muito caro, porque é preciso recrutar e formar novos colaboradores. A adoção da semana de quatro dias, oferecendo compensações adequadas levará a que os trabalhadores tendam a ficar no mesmo trabalho mais tempo. Isto representa vantagens para as empresas e para os empresários. No projeto-piloto que estamos a implementar em Portugal acreditamos que devido à baixa produtividade do país temos muita margem de crescimento com a introdução desta nova forma de trabalhar.

Qual tem sido a adesão das empresas a este projeto-piloto e quando é que entrará em prática?

Entrará na segunda metade de 2023. Quando me convidaram para coordenar este projeto, Portugal estava, e continua a estar, numa fase muito embrionária. Em Espanha, por exemplo, a discussão está muito mais avançada. Na comunidade de Valencia já existem, inclusive, incentivos fiscais para as empresas aderentes.

No nosso país será só em empresas privadas ou também na administração pública?

Em Portugal, entendemos que na fase de testes devíamos começar pelo privado, na medida em que é o setor que concentra a maioria do emprego. Estamos a realizar sessões de esclarecimento regulares, com duração de uma hora, em que participam empresários que já implementaram na sua empresa a semana de quatro dias. Nessa sessão partilham as suas impressões sobre o seu caso concreto. No fundo, trata-se de um convite à reflexão. Só posteriormente é que será colocada a questão se pretende mesmo avançar. Como não há contrapartidas financeiras, o projeto é muito ágil. Mesmo as empresas que decidirem avançar, podem abandonar o projeto a qualquer momento. Para já, o crucial é definir a filosofia do projeto.

Quais são as principais dúvidas que os empresários colocam?
São coisas muito concretas. Normalmente, focam muito questões relacionadas com o “stress”, o recrutamento e a retenção de trabalhadores. Por outro lado, o empresário médio português pensa que ao reduzir em 20 por cento a semana de trabalho tem de contratar 20 por cento mais de trabalhadores, aumentando os custos e com as margens de lucro já muito reduzidas, pouco ou nada beneficiará as empresas. Mas não é assim, pelo menos na maior parte das empresas. Defendo que esta semana de quatro dias vai permitir, certamente, aumentar a produtividade e reduzir outros custos intermédios que compensarão a eventual necessidade de despender verbas. Mas se não experimentarmos, e se não quantificarmos em ambiente real, nunca vamos saber.

Depois destas sessões iniciais, o que se seguirá até final de junho?

As empresas terão os meses de março, abril e maio para delinear o seu plano de implementação da semana de quatro dias. Vamos apoiá-las em todos os momentos. Mas sublinho: não há qualquer compromisso e podem sair a qualquer momento, se virem que não está a resultar. Até final de junho esta é a fase mais importante porque se trata de um “brainstorming” gigante, de como se pode implementar e que mudanças têm de ser operadas no seio empresarial.

Estima entre quatro a seis anos o tempo para a adaptação de todos os intervenientes da empresa. Este período aplica-se à realidade portuguesa?

Estas mudanças referentes à redução da semana de trabalho começam com as empresas, mas prosseguem, posteriormente, consolidando-se com legislação. Foi assim, no passado, quando passámos de seis para cinco dias de trabalho semanal. Nos Estados Unidos passaram cerca de três décadas desde que as primeiras empresas começaram a adotar a semana de cinco dias, até ao momento em que saiu a legislação. O processo de transição é longo e, como deve compreender, são mudanças faseadas, que não podem ocorrer de um dia para o outro.

Já conseguiu convencer as autoridades portuguesas?

Portugal está ainda muito longe de decidir. Estou a tentar convencer. Mas não está a ser fácil.

Quais são os países, a nível mundial, que estão na vanguarda na adoção da semana dos quatro dias?

Os países nórdicos são, por norma, onde se trabalha menos horas anuais. Mas é muito devido ao trabalho em “part-time”. Por exemplo, na Holanda, quase metade dos trabalhadores trabalham a 70 ou a 80 por cento. E acabam por ser maioritariamente mulheres. Nestes casos, constata-se que não são as empresas que estão a mudar os seus processos de trabalho, mas sim as pessoas de forma individual, que escolhem trabalhar a tempo parcial, com corte de salário.  Por seu turno, a Islândia também começou com um projeto-piloto no setor público e a experiência correu francamente bem.

Admite que devido a condicionalismos de natureza cultural, esta reforma seja mais difícil de vingar nos países do sul da Europa?

Ninguém sabe a resposta, até experimentar e ver se funciona. A adaptação vai depender de país para país. Mas repare o seguinte: estamos sempre a queixar-nos de ficar na cauda da Europa e que a produtividade não descola. Por isso, entendo que devemos mudar as práticas para fazer diferente. Insisto: a adaptação será feita por cada empresa, mas estou em crer que se vingar terá grande valor acrescentado para o nosso país. Estamos ainda muito agarrados à cultura do café ou a reuniões prolongadas, devíamos fazer uma gestão mais rigorosa da hora de almoço – são práticas regulares nas empresas portuguesas que é preciso mudar.  A tendência que existe é que quando se trabalha muitas horas, e com grande intensidade, os trabalhadores procuram as pausas no próprio trabalho e é isso que explica essas paragens frequentes.  Não é de admirar, por isso, que as reuniões sejam a forma de alguns de nós descansarem. Deste modo, entendo que ao terem um dia livre às sextas-feiras, vai ser possível aumentar a produtividade. Acredito que os trabalhadores vão remar para o mesmo lado e isso implica organizar melhor o seu trabalho em apenas quatro dias. A semana de quatro dias não é uma tolice, mas só avançará se uma maioria acreditar neste caminho.

Com mais dias de descanso, o consumo privado vai aumentar?

Alguns economistas entendem o lazer como um tempo morto para a economia. Nada mais errado. Defendo que a forma como vamos utilizar o tempo livre de outro modo vai ter um impacto económico substancial, em indústrias específicas como a turística, o entretenimento, a desportiva, a cultural, a comercial, etc. Outra vantagem: por exemplo, vai arranjar-se mais tempo disponível para estudar, frequentar um mestrado ou um curso de aperfeiçoamento, e obter mais qualificação. A velocidade das alterações provocadas pela tecnologia está a deixar os conhecimentos das pessoas obsoletas e isso requer mais estudo. Outro exemplo: criar uma empresa e lançar um qualquer projeto inovador. Há muitas empresas que nascem do tempo livre de alguém. Ou algo mais simples: fazer um pequeno biscate nalgum trabalho extra que lhe dê prazer e mais algum dinheiro suplementar. A indústria da agricultura vive muito de trabalho sazonal. Pode ser uma hipótese. Finalmente, e não é despiciendo, podem passar mais tempo com a família, o que é ótimo para a saúde mental.

A semana de quatro dias é complementar ao teletrabalho?

Sim. Os dias podem ser em casa ou no trabalho, presencialmente. A empresa de produtos personalizados, a “360imprimir”, que funciona totalmente em trabalho remoto, passou a operar quatro dias, em 36 horas, ou seja, nove horas diárias, de segunda a quinta-feira. E os trabalhadores não podiam estar mais satisfeitos.

Há teorias que dizem que os populistas nunca vão defender este projeto porque esta é uma forma de unir as pessoas. Subscreve?

Os populistas vivem dos problemas económicos reais que afetam as pessoas, e que derivam do facto de o sistema não funcionar. Os populistas, pessoas sem ideias e sem soluções, também são alimentados pelo descontentamento das massas e tentam, a todo o custo, explorar as divisões, colocando uns contra os outros. Isso viu-se no “Brexit”, que partiu o Reino Unido. A semana de quatro dias de trabalho não divide, une. Apesar disso, não é um caminho fácil e rápido. Mas devemos todos trabalhar para lá chegar.

Qual é a viabilidade de esta semana de quatro dias de trabalho ser aplicada em contexto escolar?

Numa semana de quatro dias é preciso distinguir duas dimensões: uma é a semana escolar de quatro dias, para os alunos. E a outra uma semana de quatro dias para os professores que, aliás, já existe, na prática, para muitos docentes. Ou seja, em termos de organização prática pode perfeitamente coincidir este esquema. Coisa diferente é uma semana escolar de quatro dias para os professores. Esta profissão, como temos visto nas últimas semanas, debate-se com muitos problemas, nomeadamente a dificuldade de atrair novos valores e de renovação. O “stress” que existe na carreira, não é apenas em Portugal, mas também é extensível ao próprio Reino Unido. Pensar numa semana escolar de quatro dias como nas empresas seria uma hipótese a institucionalizar, compensando os docentes, não necessariamente, com salários mais altos, mas com redução horária de trabalho.  Pelos motivos identificados, creio que seria uma prática de recursos humanos inteligente no âmbito do ensino.

Vários estudos identificam os Estados Unidos como um dos países na vanguarda desse novo modelo…

Há escolas localizadas no estado do Colorado que trabalham apenas quatro dias. Normalmente, aumenta-se as horas de aulas nos outros dias. Em Portugal, sugeria-se que o ajustamento passasse pela redução das férias de verão – que são muito longas. No Reino Unido são seis semanas, em Portugal, penso que são 11 ou 12. Em resumo, acredito que, tal como nas empresas, a semana de quatro dias na escola podia ser uma oportunidade para mudar processos, trabalhar de forma diferente e repensar a forma como ensinamos. Parafraseando o fundador da Escola da Ponte, ensina-se com métodos do século XIX, professores do século XX e alunos do século XXI.

A aposta devia recair ainda mais no digital, aproveitando as lições da pandemia?

Devia-se aproveitar ainda mais as novas tecnologias no ensino. Os alunos passariam menos horas na escola e a aprender com base em programas digitais com vídeos, material produzido pelo Ministério da Educação. Mas existe uma condição básica para avançar com este projeto nas escolas: não se pode implementar aqui a semana de quatro dias, mantendo-se a semana de cinco dias no trabalho. Curiosamente, nos Estados Unidos, esta experiência está a ser muito popular entre os pais e os estudantes.

 

Cara da Notícia

Há duas décadas fora do país

Pedro Gomes nasceu em Lisboa, em 1981. É professor associado de Economia em Birkbeck, Universidade de Londres, desde 2017. É uma instituição fundada há duzentos anos, direcionada para o regime pós-laboral, com as aulas a decorrerem entre as seis e as nove da noite. Foi professor assistente da Universidade Carlos III de Madrid durante sete anos e professor visitante na Universidade de Essex, trabalhando também no Banco Central Europeu e no Banco de Inglaterra. Completou a licenciatura em economia no Instituto Superior de Economia e Gestão, em 2003, e doutorou-se pela London School of Economics, em 2010, tendo como orientador Christopher Pissarides, Prémio Nobel da Economia. Em 2016 foi distinguido com o Austin Robinson Memorial Prize, atribuído pelo “The Economic Journal”, pelo artigo «Optimal Public sector wages». O ano passado escreveu o livro “Sexta-feira é o novo sábado”, primeiro em inglês (“Friday is the new Saturday”), depois traduzido para português, editado pela Relógio d’Água.

Nuno Dias da Silva
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