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Vítor Gonçalves, jornalista da RTP e apresentador da “Grande Entrevista” «Os erros em jornalismo pagam-se caro em credibilidade»

24-05-2021

«Máxima liberdade para perguntar, absoluta disponibilidade para escutar» é o lema de Vítor Gonçalves sempre que se coloca na pele de entrevistador. O jornalista, antigo correspondente do canal público nos Estados Unidos, admite que a profissão está num processo de mudança, mas aos alunos que querem seguir esta via aconselha a não desistirem do seu sonho.

Refere que «cada entrevista é sempre uma viagem». Perdoe-me a analogia, para começar, mas uma entrevista pode, de alguma forma, ser comparada a um melão antes de ser aberto? Ou seja, só depois de terminar uma entrevista é que se pode dizer se foi boa?
Não. Tendo em conta o perfil dos entrevistados e o momento em que a entrevista acontece é fácil perceber como é que uma entrevista vai correr. Se for a personalidade certa no momento certo, uma entrevista quase sempre corre bem. É evidente que, às vezes, há entrevistas que surpreendem, mas, normalmente, é fácil prever o que vai acontecer.

Por muito que se diga o contrário, não é o mesmo entrevistar o Presidente da República ou o Primeiro-Ministro e uma outra qualquer personalidade da nossa sociedade. De uma forma geral, com que espírito parte para uma entrevista, desde o momento do agendamento, até quando ela se inicia?
Concordo consigo, as entrevistas não são todas iguais. O relevo que personalidades, como por exemplo, o Presidente da República, ocupam no sistema político português, cria, necessariamente, expetativas diferentes sobre a entrevista. Independentemente disso, se decido fazer uma entrevista é porque a considero, naquele momento, interessante e, por isso, parto sempre para as entrevistas com entusiasmo. Cada entrevista é única e isso torna-a desafiante.

A preparação exaustiva para não falhar nenhuma questão é uma das condições essenciais para uma entrevista. Tem alguns outros truques ou métodos a que recorre?
O meu truque é informar-me o máximo sobre a personalidade que vou entrevistar e sobre os tópicos que vou tratar. Isso é condição essencial para me dar a confiança necessária para realizar a entrevista. A preparação tem um outro propósito: perceber as perguntas que ainda não foram feitas, saber os aspetos da vida daquela personalidade que ainda não foram revelados.

Lançou no início de maio o livro “As palavras que ficam”, uma compilação com algumas das entrevistas feitas na “Grande Entrevista”. Qual foi o critério que presidiu à escolha das 13 conversas que integram a obra?
Na televisão tudo é muito efémero. Há momentos que acontecem, palavras que são ditas, mas tudo passa muito rapidamente. Ora, eu verifiquei que há palavras que são ditas na “Grande Entrevista” que é uma pena que se esgotem no momento em que são proferidas. São palavras que nos desafiam, nos inspiram, no surpreendem, nos confortam. São palavras que ficam. Palavras que podemos voltar a elas e reencontrar o seu interesse. Encontrar essas palavras foi o critério principal. Depois, tive um outro critério que foi o da diversidade. É por isso que tenho uma entrevista com um político, um ator, um poeta, um escritor, um sociólogo, um humorista, um artista plástico, um gestor, etc.

Uma das entrevistas que protagonizou e que ainda hoje se recorda foi a que fez ao ex-Primeiro Ministro José Sócrates, a 13 de outubro de 2017, em que colocou em cima da mesa as quatro mil folhas da acusação da “Operação Marquês”. «Como é que o senhor vive e como paga as suas despesas?», foi a pergunta que indignou Sócrates. Admite que, quase quatro anos depois, fez a pergunta que os portugueses queriam ver respondida?
Sim, sem dúvida. Essa pergunta suscitou uma reação explosiva que me surpreendeu. No entanto, eu digo sempre isto: eu quando faço uma pergunta é porque quero obter uma resposta. É só isto. Aliás, só tenho dois princípios para as entrevistas: máxima liberdade para perguntar, absoluta disponibilidade para escutar.

“Aqui Europa” é o nome do novo programa de atualidade política europeia no momento em que Portugal preside ao Conselho da União Europeia, e em que já teve oportunidade de entrevistar Carlos Moedas e Durão Barroso. O que se pretende com este novo desafio?
No “Aqui Europa” procuramos acompanhar a atualidade política europeia, quando Portugal preside ao Conselho da União Europeia. É um programa que vai durar até ao final de junho, altura em que Portugal deixa de ter a presidência.

Foi durante quatro anos repórter da RTP na Assembleia da República. Tem saudades desse tempo, em que se movimentava nos meandros da política partidária, no local onde são feitas as leis do país?
Eu gostei de todas as experiências profissionais que tive porque todas foram essenciais no meu percurso. Não sou dado a ficar a olhar para trás, como se lá atrás estivesse um momento dourado. Tendo a olhar mais para a frente e a ver o que quero fazer a seguir, é isso que mais me motiva. Mas se há um tempo que para mim, profissional e pessoalmente, foi marcante, foram os quatro anos que passei nos Estados Unidos como correspondente.

Que balanço faz desse período e como foi viver e trabalhar em Washington, uma cidade que respira política e onde se encontra a mítica Casa Branca?
Foi um tempo extraordinário em que tive a sorte de assistir à eleição e testemunhar o primeiro mandato de um dos líderes políticos mais inspiradores das últimas décadas: Barack Obama.

Por falar em Casa Branca, não é fácil para um jornalista estrangeiro aceder de forma regular aos briefings e às intervenções do presidente norte-americano. Contudo, sei que conseguiu que Barack Obama respondesse a uma pergunta sua numa cimeira da NATO. Pode contar-nos esse episódio?
Quando Barack Obama veio a Portugal para uma Cimeira da NATO, na RTP seguimos com grande detalhe esse evento e eu tive oportunidade de vir a Lisboa para fazer essa cobertura. Na conferência de imprensa final, recordo-me que houve cinco questões, quatro foram dadas a jornalistas americanos e a última foi dada a um jornalista europeu, neste caso, um português que fui eu. Foi engraçado porque, nessa conferência de imprensa o Barack Obama falou imenso, deu respostas longuíssimas e, a partir de determinada altura eu pensei que iria deixar cair as últimas perguntas. Felizmente, não foi isso que aconteceu e na última pergunta lá escutei o Obama dizer, «e agora, Vítor Gonçalves, Portugal». Foi bom.

Em 2010, foi enviado especial ao Haiti para a cobertura de um forte sismo que dizimou Port-au-Prince. Uma réplica do terramoto acabou por lhe causar ferimentos, obrigando-o a internamento hospitalar. Pelo contexto e também pelo que lhe sucedeu, é uma das reportagens que mais o marcaram?
Sim, como estava em Washington, estava mais perto, e fui dos primeiros jornalistas a chegar ao Haiti. O que me marcou ali foi o contacto direto com a morte. Naqueles primeiros dias, para qualquer lado que se olhasse encontrávamos sempre corpos de pessoas que ficaram nos escombros das casas. Foi muito impressionante e psicologicamente duro de gerir.

No que à carreira académica diz respeito, atualmente, leciona Jornalismo Político e Comunicação Política no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP). O jornalismo continua a atrair muitos jovens ou também já se sente alguma quebra, fruto das dificuldades que se sentem neste mercado profissional?
Eu sempre procurei manter uma ligação à Universidade porque gosto muito do contacto que se estabelece nas aulas com os estudantes e, por outro lado, obriga-nos a pensar sobre o nosso próprio trabalho. Por essa razão, atualmente estou a fazer o doutoramento em Ciências da Comunicação no ISCTE. O jornalismo está, de facto, num processo de mudança, mas quem tem vocação, talento e empenho vai encontrar sempre o seu espaço aqui. Quem gosta do jornalismo não deve desistir do seu sonho por eventuais dificuldades do mercado.

O jornalismo e o seu modelo de negócio permanecem na encruzilhada. Que conselhos dá aos seus alunos sobre o futuro a seguir na profissão, quando se assiste ao declínio do papel, à explosão do online e, ao mesmo, a uma pressão imensa por fazer sair a notícia no momento, na internet, e não esperar pela edição em papel no dia seguinte? É essa pressão permanente que pode levar ao erro?
Na prática diária, o único conselho que se pode dar e que eu próprio sigo é este: verificação, verificação, verificação. Os erros têm consequências e pagam-se caro em credibilidade.

 

Cara da Notícia

Quatro anos correspondente em Washington

 

Vítor Gonçalves é jornalista, apresenta e coordena o programa “Grande entrevista”, emitido na RTP-3. No canal público foi ainda editor de política e diretor adjunto de informação. Foi quatro anos correspondente em Washington. É licenciado em Comunicação Social e mestre em Ciência Política. Está, neste momento, a fazer o doutoramento em Ciências da Comunicação no ISCTE. “As palavras que ficam” é o livro que acaba de lançar, editado pela Oficina do Livro, com uma seleção de 13 entrevistas do seu programa, onde se incluem, entre outros, António Guterres, José Tolentino de Mendonça. Ricardo Araújo Pereira. Maria José Morgado e António Lobo Antunes.

Nuno Dias da Silva
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