Este website utiliza cookies que facilitam a navegação, o registo e a recolha de dados estatísticos.
A informação armazenada nos cookies é utilizada exclusivamente pelo nosso website. Ao navegar com os cookies ativos consente a sua utilização.

Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP) ‘O Desporto não tem peso na agenda política’

12-07-2021

É o homem do leme na missão olímpica, que entre 23 de julho e 8 de agosto, vai representar Portugal a Tóquio. José Manuel Constantino perspetiva os Jogos sob o signo da pandemia e anuncia um programa para fazer regressar os jovens à prática desportiva.

Os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 começam no próximo dia 23 de julho. Quais são as expetativas de performance dos atletas portugueses?
Estabelecemos em 2017 um contrato com o Estado, no sentido de obtermos um financiamento necessário à preparação olímpica e no âmbito desse contrato é exigível uma projeção da expetativa de resultados. E aquilo que perspetivamos, na altura, é aquilo que hoje mantemos: a presença, no mínimo, de duas posições de pódio e de 12 posições de finalista. E oxalá ele seja alcançado.

Patrícia Mamona, Pedro Pichardo e João Almeida, só para citar alguns atletas, podem chegar mais longe?
Temos um conjunto de atletas que alcançaram posições de pódio, designadamente em provas de natureza mundial e de valor desportivo equivalente aos Jogos Olímpicos. E são alguns dos atletas que não mencionou na sua pergunta. Possuem mérito e condições desportivas para disputar um lugar nos três melhores. Mas já tivemos uma situação, que aconteceu nas olimpíadas de Pequim, onde o número de atletas que vinha com posições de “top” era muito elevado e depois não foi possível confirmar esses resultados. Por isso, temos de ser muito prudentes em qualquer avaliação prévia que possamos fazer sobre essa matéria.

Os Jogos realizam-se um ano depois da data prevista. Em que medida o contexto pandémico vai retirar brilho às olimpíadas e ao próprio desempenho dos atletas?
Vamos ter de aguardar porque não temos ainda uma exata noção. A organização ainda não definiu todos os aspetos relacionados com a forma como os Jogos vão decorrer. O quadro com que os atletas se vão confrontar, relativamente à mobilidade, ao treino e a um conjunto de práticas que envolvem um evento olímpico, certamente que irá condicionar os participantes e os resultados desportivos. Em que termos, escala e dimensão não consigo responder, para já.

Ainda não se sabe se haverá público nas bancadas, mas a população de Tóquio está maioritariamente contra os Jogos…
As sondagens de opinião são claras: o povo japonês não quer a realização dos Jogos. Não sei se o ambiente que existirá será hostil, mas não será, certamente, de acolhimento entusiástico relativamente à presença das delegações de todo o mundo. Neste verão não haverá, em Tóquio, a partilha, a satisfação e a festa. Este é um dado novo e completamente diferente de anteriores eventos olímpicos. Ainda hoje fiquei a saber que o próprio trajeto da tocha olímpica para o estádio vai sofrer uma profunda alteração, de modo a evitar contacto com a população durante o percurso.

Referiu que 70 por cento da atividade do sistema desportivo nacional paralisou durante a primeira fase da pandemia. Já é possível estimar as consequências de quase ano e meio para o Desporto português?
O COP, a Confederação do Desporto de Portugal e o Comité Paralímpico encomendaram um estudo de avaliação sobre o impacto financeiro e desportivo do Covid-19 no sistema desportivo e esperamos nas primeiras semanas de julho torná-lo público. Mas posso, desde já adiantar, que as sequelas no sistema desportivo são muito significativas, naturalmente com impacto distinto de modalidade para modalidade, com uma quebra abrupta das receitas. Ou seja, vão existir custos para recuperar – quer do ponto de vista dos praticantes, quer do ponto de vista da economia das diferentes modalidades – até uma situação pré-Covid.

Criticou severamente o retomar tardio da prática desportiva. Ficou desagradado com a reação política?
Não houve ainda das políticas públicas uma resposta que ajudasse a minimizar os efeitos gravosos da situação pandémica, designadamente em termos de apoio financeiro ao tecido associativo de base. O governo anunciou um pacote financeiro de 60 milhões de euros, através da concessão de crédito bancário de 30 milhões, sendo o restante financiamento a fundo perdido, mas a ausência de regulamentação dos critérios de acesso a esse financiamento faz com que estejamos nos mesmos termos que há um ano atrás. Anunciou-se a medida, mas a sua concretização aguarda por melhores dias. Nesse sentido, torna-se mais difícil que o tecido associativo consiga regenerar-se e, deste modo, procurar soluções para ajudar a responder aos efeitos severos da pandemia sobre o sistema desportivo.

A escola também esteve parada vários meses. Tem dados sobre o impacto no desporto escolar e na formação?
Não disponho de elementos que me permitam ter uma opinião sustentada relativamente ao que se passa no desporto escolar, mas aquilo que espero é que rapidamente se possa recuperar as rotinas existentes e melhorar a oferta, quer na área da educação física, quer no domínio do desporto escolar. Por seu turno, o desporto de formação foi um dos mais atingidos com a paralisação a que foi sujeito pela pandemia. E coloca-se um verdadeiro desafio para as associações desportivas que passa por captar o interesse e a atração dos jovens pela prática do Desporto. Receio que a quebra na continuidade da prática desportiva possa ter afastado, em definitivo, alguns jovens da atividade regular. O que seria dramático num país com indicadores de prática desportiva tão baixos. Nesse sentido, no mês de setembro, o COP, a Confederação do Desporto de Portugal e o Comité Paralímpico lançarão um programa de mediatização e apelo à retoma da atividade desportiva, designado “Juntos pelo Desporto”, precisamente no sentido de mobilizar as famílias para as vantagens que a prática desportiva traz para a formação dos seus filhos. É imperioso recuperar o tempo perdido e retomar, com a intensidade possível, a atividade desportiva das nossas crianças e dos nossos jovens.

O Desporto ficou de fora do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Como explica que este setor tenha ficado à margem das prioridades de reconstrução do país?
O Desporto não tem peso na agenda política do governo e os titulares do cargo não têm a suficiente capacidade de persuasão política dos seus parceiros governamentais para que as opções sejam distintas das que têm sido seguidas.

É um problema só deste governo ou já se arrasta de executivos anteriores?
Não é um problema exclusivo deste governo. Tem atravessado os diferentes governos constitucionais, naturalmente com intensidades diferentes, muito por força da distribuição do poder no interior dos elencos governativos e pela sensibilidade e capacidade que os titulares dos cargos têm junto da liderança política do governo para exercer a sua força. E quando critico os governos, essa critica deve ser extensível à Assembleia da República. O Desporto em Portugal tem uma valoração política muito distinta comparativamente ao que se passa noutros países europeus. Posso citar o exemplo do nosso país vizinho, a Espanha, a França, a Itália e a Áustria socorreram-se de medidas extraordinárias, quando eclodiu a pandemia, para acudir ao setor desportivo. Portugal demorou um ano a reagir e mesmo o que anunciou está por concretizar. Resultado: o Desporto está a ser vítima desse défice de qualidade da decisão política e que é explicado pela cultura desportiva do país que é partilhada pelas elites culturais e sociais.

Escreveu no “Público” que «a tragédia do Desporto nacional é cultural, antes de ser política, pelo que se torna ilusório esperar que a política resolva sozinha o que a cultura desportiva dominante trava». É este atavismo cultural que nos impede de progredir?
Claro. Do ponto de vista histórico o Desporto é um produto importado para um país europeu periférico, tardiamente ao que a generalidade da Europa já fazia. Portanto, acumulamos um défice de natureza histórica que acaba por prejudicar toda a dinâmica que o Desporto deve adquirir na sociedade. Durante o período da I República tivemos o surgimento e o reforço do tecido associativo, com o nascimento de muitos clubes e federações, mas a turbulência que então se viveu e posteriormente o regime da ditadura criaram inúmeras dificuldades à sobrevivência do associativismo desportivo. E a transformação que se operou, a partir de 1974, com a transição democrática, não tem sido acompanhada ao nível das políticas públicas centrais dos governos e de respostas sólidas e coordenadas, mas quero, contudo, prestar a minha homenagem ao esforço desenvolvido pelo poder local, que tem sido um verdadeiro sustentáculo das atividades desportivas, de norte a sul do país, nas últimas décadas.

Os orçamentos do Estado reservam, todos os anos, uma ínfima parte para o desporto. Um dos primeiros problemas é a falta de recursos financeiros?
Essa debilidade nas políticas públicas centrais tem a sua tradução prática na construção dos orçamentos do Estado e nas verbas que são afetas ao Desporto. O Desporto vive, essencialmente, dos fundos que têm origem nos jogos sociais. Basta os jogos sociais terem quebras para se repercutir no financiamento do Desporto. Não é possível o governo dispor para o Desporto de uma verba que na sua globalidade é metade do montante que anualmente a Federação Portuguesa de Futebol tem só para gerir o futebol. Isto é uma vergonha para o próprio Estado e revelador da distorção instalada e da ausência de critério e qualidade das decisões políticas que são tomadas.

É na monocultura do futebol, que seca tudo à volta, que radica o problema?
Não. É evidente que há alguma responsabilidade e algum excesso, especialmente no âmbito das políticas públicas e da governação, relativamente ao modo como olha para as diferentes modalidades. O futebol não é o culpado, mas a decisão política da governação é responsável por emitir sinais que só servem para acentuar essa assimetria, essa discricionariedade e só contribuem para reforçar a monocultura. Essa postura política não ajuda e não facilita. O futebol merece atenção, mas sem prejuízo de outras dimensões da atividade desportiva do país, que precisam de apoio, estímulo, carinho e reconhecimento pelo esforço que fazem, mesmo em condições adversas.

Tivemos, no passado, um Ministério do Desporto, agora temos uma Secretaria de Estado. A atenção política podia mudar com uma nova organização política?
Pouco ia adiantar um Ministério do Desporto com as verbas que atualmente são disponibilizadas para o setor. Penso que seria mais importante a localização orgânica na estrutura do governo do setor que tem a tutela do Desporto – que neste momento está no Ministério da Educação e em governos anteriores esteve na Presidência do Conselho de Ministros (e com acesso mais fácil ao primeiro ministro) – do que propriamente a constituição de um Ministério do Desporto. Ou seja, a questão orgânica pode ser relevante, mas está longe de ter a importância do papel das políticas públicas neste setor e da percentagem de verbas que o governo central afeta para o desenvolvimento da prática desportiva e que neste momento é muito fraca.

A Espanha organizou, em 1992, os Jogos Olímpicos de Barcelona e, desde então, tornou-se uma potência desportiva, com vários campeões, em desportos individuais e coletivos. Acredita que é possível, num horizonte longínquo, um país de pequena dimensão como Portugal organizar uns Jogos Olímpicos?
Num futuro longínquo, talvez. Mas sozinho acho que não tem condições. Mas uma candidatura conjunta ibérica, como vai acontecer para o mundial de futebol 2030, é um cenário possível. Aliás, as candidaturas conjuntas vão ser uma tendência do futuro nas olimpíadas e em outros certames, muito devido à despesa e esforço logístico que a realização do evento numa única cidade ou país envolvem. Portugal tem condições, sobretudo ligadas aos desportos náuticos e que apontariam para uma possibilidade dessa natureza sem custos do ponto de vista infraestruturais muito significativos.

 

Cara da Notícia

Uma vida ligada ao Desporto

 

José Manuel Constantino nasceu em Santarém a 21 de maio de 1950. Preside ao COP desde 2013. Licenciado em Educação Física pelo Instituto Superior de Educação Física, exerceu atividade docente entre 1973 e 2002. Foi professor do ensino básico e docente universitário, nomeadamente professor auxiliar convidado da cadeira de Organização e Desenvolvimento do Desporto do Curso Superior de Educação Física e Desporto, da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Foi membro do Conselho de Fundadores da Fundação do Desporto, presidente do Instituto do Desporto de Portugal, presidente do Conselho Nacional Antidopagem e presidente do Conselho Nacional Contra a Violência no Desporto. Liderou ainda a Confederação do Desporto de Portugal. A Universidade do Porto atribuiu-lhe o título de “Doutor Honoris Causa”, em setembro de 2016.

Nuno Dias da Silva
Direitos Reservados
Voltar