Enquanto jovem, nunca gostei lá muito da escola. É uma afirmação eventualmente chocante que, frequentemente, tenho escrito e repetido a colegas e alunos.
É, também, uma representação contraditória para quem dedicou os últimos 50 anos à educação, ao ensino, à investigação, à gestão e avaliação de Instituições de Ensino e…. à formação de educadores e professores.
Houve momentos em que me interrogava se alguma esconjura sobrenatural me teria tocado, dado que entrei com quatro anos para o Jardim Escola João de Deus e, desde essa marcante e conflituosa data, nunca mais saí da escola.
Ao tempo vivia numa cidade de província, numa casa de família extensa, com um forte peso de matriarcado e, sempre que o meu pai me levava, pelas manhãs, para o Jardim Escola, a minha opção (se a tivesse…) seria ficar em casa a ajudar nas lides domésticas. Que inveja me sobrava desses familiares adultos que já não tinham de ir à escola…
Porém, os caminhos da vida são enviesados e os trilhos escolares lá se foram murando, sempre de livre vontade, muitas vezes a pleno gosto e gozo, tendo, aliás, obtido todos os graus académicos que uma Universidade me poderia conceder.
Vá lá a gente perceber os desígnios insondáveis que me levaram a apaixonar por esta profissão e a dedicar a alma, o coração, e muito do resto do corpo, à melhoria da escola, da profissionalidade docente e ao desenvolvimento da investigação educativa.
Porque não gostava da escola? Perguntam. Porque, como aluno, detestava as rotinas, os “decoranços”, coações, horários, stresses, avaliações inconsequentes, sempre para ser posto à prova perante professores, colegas e família… Numa escola ao tempo da ditadura, onde as liberdades estavam coartadas e o princípio do recato e da disciplina incontestável predominava. Onde o controlo e a repressão do pensamento e das condutas, por vezes as mais ingénuas, constituía o paradigma funcional. Ondes os manuais escolares e as “pedagogias” institucionalizadas contrariavam a mais elementar chamada à motivação, situação que contagiava negativamente alguns (poucos) professores que tentavam marcar qualquer diferença.
Não gostava, porque cedo compreendi que o sucesso escolar, como estava estruturado (e em muitas escolas assim continua…), alimentava a fonte de stress e de pressão psicológica junto dos alunos, dos professores e das famílias. Porque a estrutura organizacional assentava na competitividade e fomentava o individualismo, não premiando o mérito, o direito à diferença, à desviância e à criatividade.
Não era por acaso que, naquele tempo, apenas uma escassa minoria de alunos ingressava no ensino superior e a taxa de analfabetismo, a nível nacional, ultrapassava os limites do tolerável. A guerra colonial consumia recursos e vidas. As condições de sobrevivência da maioria das famílias dos trabalhadores, empurraram mais de um milhão de portugueses para a emigração.
Portugal vivia orgulhosamente só e, em resultado, sofreu um grave atraso económico, social e cultural em relação à generalidade dos países da Europa, atraso esse do qual ainda hoje sentimos graves sequelas.
Inesperadamente, descobri que podia ser feliz na escola quando ingressei no ensino superior e percebi que podia ler e estudar por livros e manuais à minha escolha e tinha a liberdade de dialogar com marcantes professores que, felizmente, também os tive.
Descobri que, afinal, a escola era o espaço privilegiado do livre pensamento, da autonomia crítica, da criatividade intelectual, do arranque dos movimentos evolucionistas, e que ser professor, constituía a mais nobre e indispensável das profissões.
Uma profissão para a qual ninguém pode dizer que foi arrastado por engano, dado que se trata de uma das poucas atividades que todos os cidadãos se habituaram a observar por dentro, desde a mais tenra idade.
Aprendi, também, que há um clique, um momento, uma circunstância, e muitas vezes até um imprevisto em que se escolhe ser professor. Aparentemente porque se gosta. Há quem lhe chame um chamamento interior…
In: Ruivo, J. (Coord.) (2025). Ideias Simples para uma Escola Feliz. RVJ, Editores