Adeus, campos felizes (Assírio & Alvim), selecção e ensaio de Rui Lage, com o subtítulo “Antologia do campo na poesia portuguesa do século XIII ao século XXI”, põe em evidência a dicotomia entre o campestre pastoral, mas não edénico, versus o pesadelo do artificial urbano, do “recalcamento” à ”nostalgia”, da “idealização” ao “desengano”, da “utopia” ao “exorcismo”, à ecologia do suposto paraíso agrário, em todas as declinações e vozes do passado e do presente.
A Literatura, o Bem que Paga! (Guerra & Paz), de Antoine Compagnon (n. 1950, Bruxelas), é uma bem-humorada digressão pelos caminhos da literatura como uma das belas-artes, e dos seus benefícios, tão necessária hoje em dia, quando a indústria do papel impresso e afins anda a vender gato por lebre. “Este livro desafia-nos a ler mais para sermos mais ricos”.
Mesa para Dois (D.Quixote), de Amor Towles, seis histórias e uma excelente novela, esta ambientada em Hollywood, com contornos policiais, fotógrafos chantagistas de estrelas de cinema nos anos 30 e uma destemida heroína, personagem de um livro anterior, num livro que também fala de falsificadores e quadros renascentistas feitos em pedaços.
Os Papéis do Inglês (Tinta-da-china), de Ruy Duarte de Carvalho (1941-2010), escritor, antropólogo e cineasta, reinventa a história de um inglês perdido no mato, personagem central de um drama no fim do mundo angolano, que o autor tão bem conhece pelo trabalho de campo que aí efectuou, combinando facto e ficção à maneira “conradiana “, em busca de uns papéis que podem ajudar a desvendar o enigma de um vida.
Um Episódio na Vida do Pintor Viajante (Cavalo de Ferro), de César Aira (n.1949, Argentina), nova edição da novela “antibiográfica” do pintor alemão Rugendas, notável como retratista da natureza, na esteira de Humboldt, leva-nos às pampas argentinas nos começos do século XIX, ficcionando os estranhos acontecimentos ocorridos depois do pintor ter sido atingido por uma tempestade, incutindo-lhe uma nova capacidade de observar e pintar não só a paisagem, mas também a face humana.
Inquietude (D.Quixote), de William Boyd, galardoado com o Costa Award, é uma magnífica história de espionagem, centrada na figura invulgar de Eva, de origem russa, cidadã britânica que, em plena Segunda Grande Guerra, se vê envolvida numa trama que só terá resolução trinta anos mais tarde, com a ajuda da filha, numa vertiginosa viagem pelo mundo da suspeição, segredos e vingança bem temperada.
As Cartas de Berlim (Singular), de Katherine Reay, romance que tem Berlim leste como centro de uma história envolvendo personagens de uma mesma família, dividida desde a construção do muro até à sua queda, num enredo muito bem arquitectado, com segredos, cartas cifradas, informações secretas, traições, denúncias e espionagem a rodos.
O Pôr do Sol Nascente (Presença), de Osamu Dazai (1909-1948), último livro do escritor japonês, romance de uma beleza extrema, onde se conta a história de Kazuko e Naoji, filhos da velha aristocracia nipónica, enfrentando os tempos incertos do pós-guerra, em registo literário apurado e plangente, sobre a morte e o nascimento de uma nova mentalidade.
Orbital (Particular), de Samantha Harvey, Booker Prize 2024, é um extraordinário hino à Terra-mãe, cantado por seis astronautas, duas mulheres e quatro homens, na estação espacial que gira em torno do planeta, contemplando a beleza suspensa no espaço, ao mesmo tempo que relembram a vida terrena que passa por eles lá em baixo, e sentem: “bem-vindo ao labirinto de espelhos que é a vida humana”.
Futuro Ancestral (Antígona), de Ailton Krenak (n. 1953), activista brasileiro, defensor de uma nova ecologia natural e humana, quando as ameaças são claras, e as causas e os responsáveis estão identificados, numa deriva urbana e suicidária, propondo uma visão baseada na cosmovisão ancestral dos povos que resistem à depredação do planeta.
Popol Vuh (Estrela Polar), de Adrián Recinos (1886-1962), apresenta uma tradução do livro sagrado dos maia-quiché da Colômbia, relato mítico sobre a criação do universo, dos deuses e da humanidade, que escapou à destruição empreendida pelos conquistadores espanhóis das culturas locais.
1945 Contagem Decrescente (Vogais), de Chris Wallace e Mitch Weiss, reconstituição dos 116 dias que levaram o presidente Truman a ordenar o lançamento da bomba atómica contra o Japão, num caleidoscópio de pontos de vista dos diversos intervenientes em tão fatal e histórico momento.
Apagar a História (Vogais), de Jason Stanley, explica de forma clara como os novos fascismos tentam reescrever a História para melhor atacarem as sociedades democráticas, usando a educação e a desinformação como cavalos de batalha para imporem regimes autoritários, supremacistas e xenófobos, à semelhança do velho nazi-fascismo do século XX.
Herança (Temas e Debates), de Harvey Whitehouse, com o subtítulo “A origem evolutiva do mundo moderno”, do antropólogo oxfordiano, é uma empolgante viagem pelo modo como as sociedades se organizaram na sua relação consigo mesmas e com a natureza, e como o conformismo, a religião, o tribalismo, a guerra e os rituais, são características da herança comum da nossa espécie.
Este texto não segue o novo Acordo Ortográfico