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Opinião Livros & Leituras

14-03-2023

A Lua de Bruxelas (Relógio d´Água), de Amadeu Lopes Sabino (n.1943, Elvas), é a reedição do livro publicado por ocasião do segundo centenário do nascimento de Almeida Garrett, nele se encenando a estadia do poeta em Bruxelas como encarregado de negócios, e pretexto para uma homenagem à capital belga. Garrett viveu aí tempos conturbados, mas que contribuíram para o seu legado de romântico e iluminista, partidário liberal e pensador dos destinos do país e da Europa, que nesses anos se forjava precisamente no país que era uma invenção, nascida da fragmentação das potências imperiais europeias. Um livro que é um regalo literário.

A Vida e Andanças de Alexis Zorbás (Edições 70), de Nikos Kazantzakis (1883 – 1957), escritor maior da moderna literatura grega, com obra numerosa em romance, poemas, ensaios, viagens e teatro, com uma vida aventurosa, alicerçada em Bergson e Nietzsche, e com laivos da mística cristã e budista, num sincretismo muito pessoal, de tal mal modo que lhe valeu a excomunhão da Igreja Ortodoxa Grega. Este livro é a sua obra-prima , de uma poética arrebatadora, e que foi levada ao cinema, onde se relata a vida e as opiniões de um santo laico incomum, num registo heróico na procura dos enigmas da vida. No epitáfio do autor pode ler-se:” Não tenho nenhuma esperança. Não tenho medo de nada. Sou livre”.

Matadouro Cinco (Alfaguara), de Kurt Vonnegut, em nova edição, é um clássico absoluto anti-bélico, escrito por um dos mais geniais escritores norte-americanos do século XX. Soldado prisioneiro em Dresden, assistiu ao bombardeamento aliado da cidade, que foi engolida por um devastador incêndio. O horror de tal acontecimento deixou no futuro escritor uma marca indelével, que exorcizou neste romance por via de uma feroz ironia e da imaginação, única maneira de ultrapassar o absurdo e a insanidade da guerra. Com o prefácio de Salman Rushdie.

Ainda Ontem (E-Primatur ), de Samuel Joseph Agnon (1888 – 1970), vencedor do Prémio Nobel em 1966, nascido no então império austro-húngaro, é considerado o pai da moderna literatura israelita, teve uma vida aventurosa, entre o Próximo Oriente e a Alemanha. Legou uma obra extensa, qual se destaca este monumental romance épico, onde se relata a vida do jovem Isaac Kumer, desde a pobreza na Galícia natal até à vida e morte na Palestina. Livro imenso onde figuram Jafa e Jerusalém, como dois polos de uma terra prometida, que oscila entre o sonho e a realidade áspera, numa linguagem devedora das narrativas do Antigo Testamento.

Retrato do Artista quando Jovem (Livros do Brasil), de James Joyce, com tradução e prefácio de Alfredo Margarido, livro publicado em 1916, onde se apresenta Stephan Dedalus adolescente, como alter ego do autor, num processo de rebeldia face à educação católica irlandesa, numa Dublin que é o palco e a imagem da cidade como via-sacra de libertação e formação espiritual, pleno de ironia, num labirinto que se constitui como mapa que Joyce desbravou e explorou do subconsciente por via do monólogo interior e da recriação pela memória.

Absalão, Absalão! (D. Quixote), de William Faulkner, é considerada a obra maior do escritor, Prémio Nobel, e um dos nomes cimeiros das letras norte-americanas do século XX, onde se narra a história de um homem branco pobre que sonha em fundar uma dinastia, e das vicissitudes que atravessou, da guerra civil ao esplendor e à decadência, tudo contado no registo poderoso de uma voz mágica, de um sonho de que acaba em ruínas.

Contos Cruéis (Cavalo de Ferro), de Villiers de L´Isle –Adam, um dos maiores cultores do Simbolismo, nas palavras do seu amigo Mallarmé :”Esta obra possui uma qualidade extraordinária de Beleza. Há contos de uma poesia inaudita, todos são espantosos”. Publicados em 1883, destilam uma ironia erudita e jubilosa, contra as convenções e modismos da época, exercendo um fascínio que não esmoreceu, nesta primeira tradução integral. “O seu talento é um murro fulgurante no cérebro” (Huysmans).

José Saramago. O pássaro que pia pousado no rinoceronte (Porto Editora), de Fernando Gómez Aguilera, (n. 1962, Cantábria), amigo e cúmplice do escritor desde que este se instalou em Lanzarote, apresenta-nos a obra do autor, através de artigos coligidos, desde a segunda fase que começa com “Ensaio sobre a cegueira” (1995) até ao derradeiro “Caim” e o “Caderno” último. Saramago foi um céptico regido pela ética do humanismo, seguindo a máxima de Gramsci: “Pessimista pela razão, optimista pela vontade”, e os seus “contos filosóficos” são a prova de que a palavra de que mais gostava era “não”.

Os Otomanos (Temas e Debates/Círculo de Leitores), de Marc David Baer, é uma excelente investigação sobre o Império Otomano, desde a sua fundação ao ocaso, logo depois da Primeira Grande Guerra, deixando ainda hoje um legado cultural e geopolítico, lugar de encontro e confronto entre o Ocidente e o Próximo Oriente, entre o iluminismo europeu, e as realidades de uma civilização oriental, que no seu apogeu foi tolerante para cair no genocídio e na desagregação, como é o destino de todos os impérios.

A Torre dos Segredos (Bertrand), de Edward Wilson-Lee, com o subtítulo de “Os mundos paralelos de Camões e Damião de Góis”, é uma espantosa investigação sobre duas das figuras mais emblemáticas do século XVI português, uma época de viagens e contactos com outros mundos, do erudito internacional que Góis foi, à vida errante do poeta camoniano. Um livro que é um itinerário por ideias e continentes, da Europa à Ásia, evocando um mundo novo em formação e descoberta, confrontando ideias feitas e narrativas de lugares e culturas estranhas aos europeus, alargando o conhecimento do que até então conhecido, opondo a visão infinita e polifónica de Damião à gesta imperial de Camões.

Portugal na História (Temas e Debates/Círculo de Leitores), de João Paulo Oliveira e Costa, que tem como subtítulo “Uma identidade”, é uma obra fundamental para compreender o país ao longo de novecentos anos, sendo “uma visão de conjunto – uma explicação para a existência de Portugal”, desde os primórdios da formação das gentes, do território e da língua, incorporando a arqueologia e a museologia mais recente, até ao “forte sentido de pertença colectiva há mais de 600 anos”, numa visão de ampla lente angular, sendo “um ensaio historiográfico de geoestratégia, mas que não se preocupa com catalogações, muitas vezes artificiais”. Muito bem escrito, apela aos leitores pela clareza da exposição sobre as dinâmicas que estruturaram uma nação, a sua identidade e o seu lugar no mundo.

José Guardado Moreira
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