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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Opinião Livros & Leituras

12-12-2022

Linha da Frente (ASA), de Arturo Pérez-Reverte, Prémio da Crítica 2020 , é um romance sobre a Guerra Civil onde se cruzam ficção e factos para compor um fresco de batalha, que tem como pano de fundo a batalha do Ebro, a mais sangrenta da guerra, onde terão perecido vinte mil homens e mulheres dos dois lados da contenda. Não se trata de glorificar uma carnificina cruel e desumana, antes compreender, através de personagens reais umas e outras ficcionadas, o horror da guerra e as motivações pessoais vistas através do prisma de quem esteve envolvido na contenda fratricida, socorrendo-se o autor da sua experiência enquanto romancista e antigo correspondente de guerra. Um livro sem contemplações.

Breve História de Espanha (Vogais), de Giles Tremlett apresenta nestas páginas um panorama da formação e desenvolvimento de um país, de muitas culturas e origens, constituindo isso a sua maior riqueza e diversidade. Da Idade do Bronze aos nossos dias, acompanhamos os povos que desaguaram na Península, e se derramaram nas Américas, dando continuidade a um movimento de expansão que cobriu outras regiões do globo. O autor defende que é a ausência de uma identidade homogénea que melhor define este povo, tão perto e distante.

Lições (Gradiva), de Ian McEwan, é seu mais recente romance, publicado em simultâneo com a edição inglesa, onde a atribulada vida do protagonista Roland Baines serve de pano de fundo aos acontecimentos que moldaram os anos da Segunda Grande Guerra até à pandemia, na Inglaterra e na Europa, incluindo a Alemanha, onde se cruzam vidas, frustrações e rejeições, a música e a literatura, amores e desamores, segredos e revelações. Um fresco romanesco de toda uma época.

O Super-Camões  (D. Quixote), de João Pedro George, como o subtítulo de “Biografia de Fernando Pessoa”, é a mais elaborada biografia do poeta, escrita em português, destinada ao grande público, setenta anos depois da obra de João Gaspar Simões se ter debruçado sobre a vida e obra pessoana. Eis como se revela a complexidade da personagem pela obra, cuja sombra se deixa entrever nestas páginas como personalidade multifacetada e de múltiplos talentos, que viveu muitas vidas numa só, num livro que nos recorda que Pessoa é um “gigante da literatura mundial de todos os tempos”.

Aspectos do legado pessoano (Tinta-da-china), de Fernando J. B. Martinho, reúne um conjunto de ensaios sobre a influência que a obra de Fernando Pessoa exerceu ao longo do século passado nas letras portuguesas e não só. Nomes como Sophia, Cesariny, O´Neill, Ruy Belo e muitos outros são analisados em prosa informada e em perspectiva  inovadora. Como assinala Paula Mourão no prefácio, estes artigos “desenham círculos concêntricos num duplo movimento centrípeto e centrífugo, tendo como eixo Pessoa ou um dos seus heterónimos, para verificar como se espelham em poetas contemporâneos”.

O Pensamento esotérico de Fernando Pessoa (Companhia das Ilhas), de Yvette K. Centeno, consagrada estudiosa do poeta e do seu interesse nos temas do ocultismo nas suas diversas vertentes, da mitologia sebastiânica à rosa-cruz, da alquimia às ordens secretas, e a sua influência na obra literária. No posfácio a autora, que tem dedicado a sua obra ensaística ao estudo do simbolismo, apresenta-nos uma leitura muito pessoal do universo pessoano. “O que fica a Pessoa? A própria obra, a própria interrogação, a ânsia de respostas que não chegam”. Tudo è cosa mentale.

48 Ensaios (Relógio d´Água), de Virginia Woolf, reúne um conjunto assinável de escritos da romancista de tantas obras fundamentais do Modernismo, desde “Rumo ao Farol” a “Orlando”. Neste lote de ensaios, debruça-se sobre Austen, Defoe, James, Conrad, entre outros, e sobre os russos seus favoritos. Ainda escreve sobre o romance gótico, histórias de fantasmas, mulheres escritoras e tantos outros temas. Como refere Edward Weeks: “Nestes últimos cinquenta anos, nenhum crítico se mostra capaz de trabalhar o inglês como Virginia Woolf ”. Um livro fundamental para quem se interessa pela grande literatura.

Os Contadores de Histórias (Bertrand), de Nicholas Jubber é uma esplêndida digressão sobre os contos de fadas, ou histórias maravilhosas e de encantar, não sobre as histórias elas mesmas, mas sobre os seus contadores, tanto quanto é possível descortinar a sua origem na neblina do tempo. Do indiano Somadeva, que no século XI, em Cachemira, escreveu inúmeras histórias que transvasaram ao longo dos séculos por muitos lugares, até ao italiano Basile, a francesa Villeneuve, os irmãos Grimm, o sírio Dyab, o russo Khudiakov e Hans Christian Andersen, este trajecto aproxima-nos dessa arte imortal que é servida pela imaginação para deleite do ouvinte. Um repositório de histórias sobre esses incansáveis criadores que perduram e encantam pelas peripécias de tantas aventuras.

A Sombra Infinita de César (Desassossego), de Lawrence Durrell, é uma digressão pela história e geografia da Provença, onde o autor de “Quarteto de Alexandria” viveu os seus últimos trinta anos de vida, em registo muito pessoal, cruzando as influências romanas com o espírito do lugar, desde as antigas tradições taurinas à influência dos trovadores, que faz da região um lugar mágico e cheio de ecos de um passado que moldou o carácter das gentes do Midi mediterrânico, em oposição ao norte francês cartesiano.

Horizontes (Bertrand), de James Poskett, tem como subtítulo “Uma História global da ciência”, vista através de momentos-chave desde o século XVI aos nossos dias. O intento do autor é demonstrar que a história da ciência tem de ser vista, não apenas do ponto vista ocidental, mas no vasto panorama das culturas que sempre contribuíram para o advento e progresso nos diversos ramos do saber nos diferentes tempos e lugares, do Ocidente ao Oriente.

Abelhas Cinzentas (Porto Editora), de Andrei Kurkov, premiado escritor ucraniano, conta-nos a história de um apicultor do Donbass que vive numa aldeia deserta, na zona encravada entre as duas forças beligerantes. Sobrevive às muitas provações da guerra, viajava até à Crimeia em busca de amigo tártaro que desapareceu, regressa a casa com as colmeias que conseguiu salvar. Relato pícaro de uma tragédia que decorre numa terra devastada, em que a esperança é um bem escasso, mas não a cândida humanidade de um amante de abelhas.

Primeiras Estórias (Tinta-da-china), de João Guimarães Rosa (1908 – 1967), que agora se publica pela primeira vez no nosso país, reúne um conjunto de contos que fazem da infância um lugar de descoberta do mundo, filtrada por uma língua que também ela se descobre, depois de “Grande Sertão: Veredas”. Numa carta ao tradutor francês disse que este livro “pretende ser, um manual de metafísica e uma série se poemas modernos. Quase cada palavra, nele, assume a pluralidade de direções e sentidos, tem uma dinâmica espiritual, filosófica disfarçada”.

Aforismos (Relógio d´ Água), de Agustina Bessa-Luís, reúne um ramalhete de máximas recolhidas da sua vasta obra romanesca que a ilustram e iluminam, sendo como se assinala no prefácio, uma súmula ou essência do seu pensamento literário de inconfessada romântica. Alguns exemplos: “Um grande livro não pode ser medido pela desordem do seu rosto, mas sim pela grandeza dos seus aforismos”; “A ironia é a linguagem do perigo”; “Não tenho vícios, tenho só liberdades”; ” A sensatez é o rigor dos medíocres”; “ A sensibilidade é um fanatismo”; “Tenho tempo, não tenho idade”.

José Guardado Moreira
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