Este website utiliza cookies que facilitam a navegação, o registo e a recolha de dados estatísticos.
A informação armazenada nos cookies é utilizada exclusivamente pelo nosso website. Ao navegar com os cookies ativos consente a sua utilização.

Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Bocas do Galinheiro Jean-Louis trintignant, um símbolo do cinema europeu

21-06-2022

Noticiava a Lusa, na passada sexta-feira, 17 de Junho: “O ator francês Jean-Louis Trintignant, protagonista de uma extensa e premiada carreira, morreu hoje, aos 91 anos, anunciou a família à agência de notícias francesa AFP. O ator de “E Deus Criou a Mulher” (1956), de Roger Vadim, com Brigitte Bardot, “morreu em paz, de velhice, esta manhã, em sua casa, rodeado pelos seus próximos”, precisou a sua mulher, Mariane Hoepfner Trintignant, que transmitiu a informação por via do agente.”

Actor com uma longa e reconhecida carreira, foi um dos grandes da sua geração onde partilhou tela com outros imprescindíveis do cinema francês, casos de Jeanne Moreau, Gérard Philipe, Alain Delon, Simone Signoret, Anouk Aimée, Jean-Paul Belmondo, Ives Montand, Françoise Fabian, Romy Scheneider e Emanuelle Riva, entre outros, de uma distinta lista quase interminável, quão rica é a sua filmografia de mais de uma centena de filmes.

O primeiro grande êxito de Trintignant foi, como referido, “E Deus Criou a Mulher”, de Roger Vadim, um filme polémico, pela ousadia erótica das cenas protagonizadas por Brigitte Bardot, e que a catapultou para o estrelato como sex symbol, ao mesmo que a película era condenada pela Igreja e, tal como seria de esperar, nos Estados Unidos.

Actou sob as ordens de grandes realizadores, desde logo Bernardo Bertolucci, em “O  Conformista” (1970), adaptação da novela homónima de Alberto Moravia, ao lado de Stefania Sandrelli, uma obra maior da filmografia do director e que lhe valeu várias nomeações para prémios internacionais. Com François Truffaut filmou “Vivement dimanche!”, último filme deste, contracenando com Fanny Ardant, na altura companheira do realizador. Um thriller bem ao estilo de Hitchcock, de quem Truffaut era confesso admirador, tendo sido nomeado para o César de melhor realizador, que não ganhou.

Trintignant ganhou o premio para Melhor Actor no Festival de Cinema de Cannes de 1969 por “Z - A Orgia do Poder”, de Costa-Gavras, filme que alcançou significativo reconhecimento internacional, tendo arrebatado o Óscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, concorreu pela Argélia, tendo sido também nomeado para melhor filme e Gravas para melhor realizador. Uma narrativa política, sobre o assassinato de um político oposicionista de um governo apoiado por militares de extrema-direita e a saga de um magistrado, interpretado por Trintignant, em busca da verdade e do desmembramento dessas forças extremistas. Claramente, apesar de não ser dito, uma referência ao regime militar que governou a Grécia, país de origem do realizador. Anos mais tarde protagonizaria o também político “Chove em Santiago” (1975), sobre o golpe militar de Pinochet de 1973, realizado por Helvio Soto.

Marcantes na carreira do actor foram também “Um Homem e uma Mulher” (1966), de Claude Lelouch, um drama romântico à volta de um encontro casual de dois viúvos que começam um relacionamento difícil. Interpretações marcantes de Trintignant e de Anouk Aimée, nomeada para o Óscar de Melhor Actriz, sendo que o filme ganhou o Óscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira e o de melhor argumento original para Lelouch e Pierre Wytterhoeven, com sequelas em 1986, “Um Homem e uma Mulher: 20 Anos Depois” e “Os Melhores Anos da Nossa Vida”, dirigidos por Lelouch e ao lado de Amée, e “A Minha Noite em Casa de Maud” (1969), terceiro dos seis Contos Morais de Éric Rohmer, aqui o actor interpreta um homem dividido entre as suas convicções católicas sobre o casamento e as decisões que vai ter que tomar em casa de Maud enquanto a neve cai lá fora. Filme igualmente nomeado para o Óscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira e para a Palma de Ouro de Cannes.

Igualmente importantes na carreira de Jean-Louis Trintignant, terão sido filmes como “As Ligações Perigosas” (1959), dirigido por Vadim, os que lembram o seu sucesso no cinema italiano, onde trabalhou com directores como Dino Risi, em “A Ultrapassagem” (1962), ou Ettore Scola, “O Terraço” (1980),  outras marcantes interpretações em filmes europeus, com destaque para “Três Cores: Vermelho” (1994), de Krzysztof Kieslowski, sobre o relacionamento de um juiz aposentado que espia os vizinhos e uma modelo que conhece o seu segredo e, já em final de carreira, esse fabuloso “Amor” (2012), dirigido por Michael Haneke, um filme sobre o amor e a velhice, à volta de Georges e Anne (Emanuelle Riva) dois professores de música reformados, octogenários, que veem a sua vida até então activa, perturbada na sequência de um acidente cardiovascular dela, de que irá resultar demência irreversível, e das dificuldades que dai advém para os dois e para a filha, também música (Isabelle Huppert). Seguramente uma das melhores actuações de Trintignant, justamente premiada com o César de Melhor Actor, tal como Emanuelle Riva, como Melhor Actriz, enquanto o filme era também galardoado com o César de melhor filme, com o Óscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, para além de numerosos outros prémios, entre os quais os Prémios do Cinema Europeu de 2012, conquistando as quatro categorias principais: melhor filme, realizador, actor e actriz. Um final de carreira tão brilhante como a extensa galeria de personagens, quer enigmáticas, quer generosos, quer apaixonadas, numa filmografia que o tornou um símbolo do cinema europeu. 

Até à próxima e bons filmes!

Luís Dinis da Rosa
IMDB
Voltar