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Cultura Livros & Leituras

12-07-2021

Ler é um prazer que se renova a cada hora. A descoberta de novos livros e escritores é, por si só, uma recompensa e um incentivo na procura de novas paisagens interiores e do vasto mundo contido entre duas capas. A escolha nem sempre se afigura fácil, apesar da produção editorial do último ano e meio ter sofrido algumas demoras e interregnos, por causas conhecidas.

Da mais recente colheita saída dos prelos, destaca-se o mais recente livro de Manuel da Silva Ramos (n.1947, Covilhã), Ao Colo de Virgílio (Parsifal). O escritor confabula a história do protagonista, Virgílio Quintela de seu nome, viúvo, erudito de uma empatia contagiante. De trato fácil, decide ajudar quem precisa, e não se sai mal do empenho. Num registo muito seu, o autor deu-nos um dos seus mais jubilosos romances, pleno de optimismo, numa história perfeita.

Patrick Modiano, Prémio Nobel de 2014, é um escritor que, na aparência, escreve sempre o mesmo livro. Tinta Simpática (Porto Editora), parece confirmar esta ideia. Na verdade, a sua obra desdobra-se como uma variação em torno de um mesmo núcleo sempre presente, como se uma luz irradiasse através de mil facetas, descerrando enigmas e mistérios, numa prosa límpida e com uma qualidade quase hipnótica. Neste seu último romance, o protagonista, enquanto escritor, assume o papel de detective que descreve a busca de uma mulher desaparecida. O destino prepara-lhe uma surpresa.

Luto (D. Quixote), de Eduardo Halfon (n. 1971, Guatemala), premiado internacionalmente, é um daqueles livros que permanecem imersos no mistério. No seu registo de autobiografia ficcionada, o narrador mergulha num mundo estranho em busca de algo que desconhece, mas que o atrai irresistivelmente, como a lanterna à borboleta. Halfon tem a mão de um ourives e o olho de um garimpeiro, traduzindo-se numa escrita repleta de magia e prodígios, contada como se fosse uma melopeia poética, conduzindo aos abismos da memória familiar e da história de um desaparecimento num lago de montanha, para onde tendem a convergir todos os fios narrativos deste livro tecido com a luz do cristal, à sombra de velhos mitos cultura maia.
Eugénio Lisboa resolveu oferecer aos leitores este Vamos Ler (Guerra & Paz), tendo como subtítulo todo um programa: “um cânone para o leitor relutante”. Partindo da sua experiência de longas décadas de leitor arguto, sagaz e impenitente, propõe ao leitor uma lista de 50 livros de 35 autores, dos nossos dias até Camões. A sua escolha destina-se a suscitar o gosto e o prazer da leitura e a fruição do idioma. As suas observações pertinentes enquadram obras e autores, com um único propósito: atrair à leitura como único objectivo, desempoeirar os livros e afastar aventesmas culturais e manipansos de duvidoso culto dos altares impostos pela tradição da ignorância. Tomando a sua própria experiência de leitor, numa Lourenço Marques sonolenta e com pouco acesso à variedade de escolha, que a sua jovem curiosidade requeria, conseguiu mesmo assim desbravar a selva incógnita da literatura. Além do mais, “a boa literatura é também boa e eficaz terapêutica para os nossos momentos de crise”. Aliás, não há melhor remédio para as vicissitudes da vida, uma vez que é da própria vida que a literatura de alimenta, reflectindo, como uma espelho imperturbável, as voltas do carrocel secular e as peripécias dos dias e das eras. Um livro desopilante que se recomenda vivamente todos os que ainda não sabem que gostam e ler. E também para os que não precisam de incentivos para o fazer.
As viagens foram o celeiro onde Jan Morris (1926 – 2020) foi buscar o seu alimento. Nascido James H. Morris, pertenceu a um Regimento de Lanceiros, e foi na qualidade de oficial de Sua Majestade que esteve destacado em Trieste, depois do final da Segunda Guerra Mundial. Como jornalista do “The Times” acompanhou a expedição ao Evereste em 1953. Mas a grande mudança deu-se, quando em 1972, mudou de sexo, passando a chamar-se Jan. A cidade triestina, berço de outro grande escritor, Claudio Magris, também ele um grande viajante da cultura europeia, tem ainda uma ligação com James Joyce, que aí viveu, dando aulas para sobreviver. “Em certo sentido, Trieste é uma súmula de todas as viagens de Jan Morris:”aqui sinto que este porto de mar opaco que povoa as minhas visões, tão cheio de doce melancolia, ilustra não somente as minhas emoções adolescentes do passado como também os meus interesses de uma vida” (do prefácio). A sua obra maior está dedicada a uma outra cidade, bem perto desta: Veneza (também publicado pela Tinta-da-china).

José Guardado Moreira
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