Santiago do Chile,
11 de setembro de 2043
Nos encontros de sábado do mês de setembro, muitos foram os projetos anunciados. Alguns já muito além da criação dos núcleos, da definição da matriz axiológica e da aprovação de cartas de princípios. Os relatos dos seus autores e atores eram “evidências de aprendizagem” de novas práticas, de uma nova educação.
Também em setembro, se fez a entrega às diretorias e à administração educacional dos planos de inovação e dos projetos de transformação vivencial, e se abriu caminho para construtivos diálogos. Um sistema hierárquico e autoritário dava lugar a uma construção social igualitária e democrática.
Imbuído dessa nova cultura, o dia 11 de setembro de todos os anos era tempo de rememorar tristes e antagónicas efemérides. Recordo bem – como se fosse hoje! – de um fim de tarde que me trouxe a notícia do fim da democracia chilena e das imagens, à hora do almoço, de aviões embatendo em arranha-céus. Numa cartinha enviada para ti, Alice, eu escrevi:
“Neste dia, pássaros metálicos derrubaram torres altaneiras e semearam a morte nas terras do Norte. Num outro “Onze de Setembro”, mensageiros da morte semearam sofrimento no sopé dos Andes, nas terras do Sul.
É verdade, querida Alice. Nos dias que sucederam ao teu nascimento, o reino dos pássaros vivia ensombrado pela compreensão de uma evidência: as sociedades que dispunham das melhores escolas eram as mesmas sociedades que produziam exércitos ocupantes e seres egoístas que, em nome do seu conforto, envenenavam os céus de todos os pássaros com gases letais.
Nesse tempo, também através da escola se perpetuavam insanos ciclos de violência e morte. Muito antes, no primeiro ano do vigésimo século da era dos homens (no tempo de um discreto anunciar da uma nova era), uma andorinha enunciou uma premonição jamais consumada. Essa andorinha acreditava que o vigésimo século do tempo dos homens seria chamado “o século da criança”. Acreditava que a escola faria dos pássaros e dos homens seres mais sábios e mais felizes. Porém, durante todo esse século, a Escola apenas reproduziria velhos rituais sem sentido. A escola dos homens não produzia humanidade. E produzia muitos bonsais humanos.”
Na América Latina desse tempo, havia uma tendência para causar a segunda morte de quem pugnou por uma nova Educação e por uma Cultura de Paz – a morte da memória. Vivíamos um tempo de múltiplas violências. Dar-vos-ei um exemplo das monstruosidades perpetradas por sub-humanos.
O golpe militar do Chile causou mais de quinze mil mortos. Entre as vítimas da barbárie estava Víctor Jara, jovem poeta e compositor, que assumira um papel preponderante no desenvolvimento cultural do seu país.
No dia 11 de setembro de 1973, Víctor foi detido juntamente com um grupo de professores e seiscentos alunos, que se encontravam na Universidade Técnica do Estado. Foi levado para um estádio utilizado como campo de concentração.
Vítor não obedeceu à ordem militar de parar de tocar seu violão. Deceparam-lhe as mãos e o mataram.
A um passo da morte, contemplando com profunda tristeza o que acontecia com seu país, ditou o seu último poema. Dele extraio dois versos:
“É este o mundo que criaste, meu Deus?
Para isto os teus sete dias de assombro e trabalho?”
Aqueles dias de setembro de vinte e três foram premonitórios, sinais evidentes de um novo tempo. Não eram apenas as democracias frágeis que urgia perseverar. Era preciso anunciar, sob múltiplas formas, o esboço de uma Escola Pública berço de uma nova cidadania, que Sérgio e Anísio tinham proposto.
Um futuro-presente de Amor e da Paz despontava.