Aquilo que todos temiam aconteceu. A diminuição superior a nove mil estudantes no número de candidatos à primeira fase do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior (CNAES), resultou numa descida acentuada no preenchimento das vagas disponíveis em todas as instituições de ensino superior (com exceção do ISCTE, que cresceu). Contas feitas transitam para a segunda fase, 11 mil 513 lugares.
Os números obrigam a uma reflexão sobre aquilo que queremos para o nosso país e em circunstância alguma devem ser aproveitados para populismos e demagogias conducentes ao encerramento de instituições.
A tutela deve assumir as suas responsabilidades. As regras de acesso ao ensino superior foram alteradas: mais exames necessários e maior peso dos mesmos na ponderação da média de candidatura. Não terá sido por falta de alerta das instituições. É preciso recuar a 2015 para termos um número tão baixo de candidatos ao ensino superior na primeira fase do CNAES. Lembre-se que entre 2020 e 2024 atingiram-se números históricos, sendo que na fase da pandemia de Covid-19 ultrapassou-se a barreira dos 60 mil candidatos (em 2021 houve mais de 64 mil estudantes a querer entrar numa licenciatura). Ou seja, mesmo em quebra demográfica, mais alunos pretendiam prosseguir os seus estudos.
Manuel Heitor, um dos ministros que mais tempo esteve com a pasta do ensino superior nos governos de António Costa, referia, com a propriedade que a sua experiência lhe garantia (já tinha sido secretário de Estado com Mariano Gago), que não havia instituições de ensino superior a mais em Portugal, havia era estudantes a menos no ensino superior. Com efeito, continua a existir um número muito elevado de alunos que termina o ensino secundário ou o profissional (os estudantes a frequentar esses níveis de ensino têm-se mantido sem grandes oscilações), que opta por não prosseguir estudos para uma universidade ou politécnico.
Os números de candidatos nesta primeira fase do CNAES (vamos ver como será a segunda fase) fizeram soar os alarmes e confirmaram aquilo que, para mim e para as instituições de ensino superior (IES) era expectável, tendo em conta as alterações aplicadas este ano. Neste cenário ninguém pode estar satisfeito. Percebe-se agora que a alteração às regras de candidatura via CNAES provocaram um terramoto que se prevê seja seguido de um tsunami, sobretudo nas IES do interior do país e na dinâmica das próprias regiões.
A análise dura e aprofundada deve ser feita no final da 3.ª fase do Concurso Nacional de Acesso. O Ministério da Educação deve dizer claramente o que quer: se elitismo ou a democratização generalizada no acesso às universidades e politécnicos. O nim não serve no contexto atual.
O passado recente demonstrou que os jovens pretendem continuar os seus estudos e que ainda existe uma margem de crescimento para que mais alunos se candidatem ao ensino superior. É da qualificação de Portugal que estamos a falar. É fácil, perante estes números, impor os interesses centralistas aos do próprio país. Passar mensagem - populista, reforço - de que há muitos cursos sem alunos colocados e muitas instituições com muitas vagas por preencher (o que é verdade), e que esse facto por si só justifica encerramentos, é algo que não pode ser tolerado.
As universidades e os politécnicos também terão que fazer uma ‘auditoria’ ao trabalho realizado e aos resultados obtidos. Há que traçar objetivos e metas, reorganizar - se necessário -, apostar na diferenciação, na excelência, em parcerias inteligentes, em boas infraestruturas e nos melhores recursos humanos. Devem saber abrir-se ao mundo e contar com todos nas mudanças que tenham que ser feitas, gerando consensos e forças motrizes robustas capazes de lhes acrescentar qualidade e promover a diferença.
É nestas alturas que se veem as lideranças, não só das IES, mas também das próprias regiões. E nunca, como agora, são necessário(a)s líderes fortes - nas universidades e politécnicos sou testemunha de muito(a)s - que agreguem e não dividam, que saibam colocar os interesses das suas instituições e das suas regiões à frente de outros índole partidário ou pessoal. As IES e os territórios que não entenderem isto correm o risco de, a médio prazo, deixarem de existir na forma como os conhecemos.
Haja coragem.