O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, acaba de promulgar a criação da futura Agência para a Investigação e Inovação (AI2) que integra a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e a Agência Nacional de Inovação (ANI).
O aparecimento desta nova estrutura está longe de ser consensual. Desde logo porque junta instituições com filosofias de funcionamento, culturas de organização e objetivos diferentes, com enquadramento legal díspar (uma é Fundação, outra uma sociedade anónima integrada no setor público, sendo detida a 50% pela própria FCT e 50% pelo IAPMEI) e com estruturas de carreira que não coincidem. Uma está mais ligada à investigação. Outra à inovação. Uma depende do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (a FCT) a outra (a ANI) atua sobre tutela articulada dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da Economia e da Ciência.
As questões em torno da criação da nova Agência são muitas e não foram suficientemente debatidas no setor. Poucos foram os debates realizados nas universidades e politécnicos acerca do assunto. Parece-me claro que há, neste processo, uma posição firme por parte do Ministro Adjunto e da Reforma do Estado, numa vontade de reorganizar e diminuir despesas com os quadros dirigentes - o passado está cheio de maus exemplos quando o argumento financeiro é usado.
Esta falta de debate, de auscultar os especialistas nas duas áreas, que embora possam e devam trabalhar em conjunto, não significa que devam funcionar juntas. Confesso que não tenho uma ideia totalmente formada acerca das vantagens desta reorganização. Mas sei as dúvidas que universidades, investigadores e setores da economia já me formularam: Conseguiremos manter o equilíbrio entre investigação fundamental e aplicada? De que forma se garante a transparência e autonomia científica? Poderá esta reforma fortalecer ou fragilizar a ciência em Portugal? Como vai ser feita a escolha das áreas prioritárias e o seu financiamento? As verbas disponíveis ficam dependentes da ciência, inovação e da economia? Como será valorizado o conhecimento produzido? Como ficam as ciências sociais após esta fusão? E os investigadores?
Este é um assunto muito sensível. Em 2024 havia no país mais de 64 mil investigadores, muitos com uma situação laboral precária, sem vínculo e a viver à base de projetos, o que se traduz em 12 vencimentos por ano (se o projeto tiver, pelo menos um ano), sem subsídios de férias ou de Natal. Mas, pior do que isso, sem perspetiva de carreira.
O sistema científico nacional teve uma forte evolução, criaram-se unidades de investigação nas universidades e politécnicos, laboratórios colaborativos, mas a verba que se continua a investir no setor é inferior à média europeia. Seria bom que se chegasse aos 3% do PIB e que o Estado desse um sinal em investir 1% do seu Produto Interno Bruto, procurando angariar os restantes 2% na economia e no setor empresarial.
Recentemente, na Universidade de Évora, tive oportunidade de assistir a um interessante debate acerca destas questões, onde participaram responsáveis com larga experiência. Sendo certo que é necessária uma revisão do sistema científico português, num modelo criado há mais de duas décadas por Mariano Gago, é sabido que a pressa é inimiga da perfeição. E neste processo faltou diálogo, debates públicos, auscultar quem já passou por muitas situações nesse complexo sistema. Na Europa, com exceção do Reino Unido, a investigação e a inovação surgem em organismos separados.
Fernando Alexandre, ministro da Educação, Ciência e Inovação, à Lusa, lembrou que “aquilo que tivemos até hoje, com resultados muito importantes, não responde aos desafios que Portugal tem no contexto europeu. É um sistema que tem de olhar para o futuro e perceber o lugar que Portugal quer no espaço europeu de investigação”, recordando que o financiamento será feito a cinco anos e que o país tem de definir quais as suas áreas estratégicas.
A preocupação é grande, sobretudo por parte dos investigadores e das instituições de ensino superior, mas também por parte dos que trabalham na FCT e na ANI e daqueles que as estas entidades recorrem. A mudança traz sempre desconfiança. Mas a preocupação é legítima. Uma coisa é certa, a investigação nem sempre gera inovação.
Estará a equação AI2 = inovação + investigação, correta?