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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVIII

Primeira Coluna Acesso ao ensino superior: ponderação, visão e honestidade

12-08-2025

Não terá sido apenas uma a razão para a diminuição no número de estudantes que apresentaram a sua candidatura na primeira fase do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior (CNAES). Face ao ano passado são menos 9046 os alunos que procuram um lugar numa universidade ou politécnico. Em 2020 eram cerca de 60 mil e nos seguintes foi um número muito próximo, pelo que os 49 mil 595 candidatos (são 55 mil as vagas disponíveis para o regime geral) que, entre 21 de julho e 4 de agosto, concorreram a uma licenciatura ou mestrado integrado, merece uma reflexão de todos.

Manuel Heitor, um dos ministros que mais tempo esteve com a pasta do ensino superior nos governos de António Costa, referia, com a propriedade que a sua experiência lhe garantia (já tinha sido secretário de Estado com Mariano Gago), que não havia instituições de ensino superior a mais em Portugal, havia era estudantes a menos no ensino superior. Com efeito, apesar da quebra demográfica, continua a existir um número muito elevado de alunos que terminam o ensino secundário ou o profissional (os estudantes a frequentar esses níveis de ensino têm-se mantido sem grandes oscilações), que optam por não prosseguir estudos para uma universidade ou politécnico.

Os números de candidatos nesta primeira fase do CNAES (vamos ver como será a segunda fase) fizeram soar os alarmes e confirmaram aquilo que, para mim e para as instituições de ensino superior era expectável, tendo em conta as alterações aplicadas este ano: mais exames para a candidatura e a subida do valor percentual dos exames para efeitos da nota de candidatura. Essa será uma razão. Mas haverá outras.

O alojamento e os seus custos são outro factor que pode e deve entrar na educação e que as associações representativas dos estudantes têm vindo a alertar ano após ano. É certo que em construção – ou já construídas ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência – estão muitas residências públicas, e que a iniciativa privada também tem dado o seu contributo (aqui com preços elevados mesmo para a classe média). Mas durante décadas, muitas instituições de ensino e as próprias autarquias olharam para o lado e pouco ou nada fizeram; como se esse fosse um problema dos estudantes e das suas famílias; como se a universidade (em sentido lato) e os Municípios (e quem os lidera) tenham o direito de colocar as divergências políticas à frente do bem das instituições e dos territórios.

O paradigma do alojamento mudou. A minha geração alugava quartos em casas de famílias. Hoje não é assim, ou pelo menos essa não é regra. Nos grandes centros urbanos a situação é mais grave e por um beliche pagam-se fortunas. Não está certo e é indigno para um país que quer ser competitivo e que não pode nem deve desperdiçar a sua mais-valia: a massa cinzenta dos seus jovens.

Associada à questão do alojamento surge a monetária. Não serão as propinas a razão da não candidatura, mas os custos associados ao dia-a-dia de um estudante deslocado são elevadíssimos e os apoios sociais não chegam a todos. Aliás, a classe média é bastante prejudicada nesta matéria, pois dificilmente é abrangida por qualquer tipo de apoio.

A perceção que os jovens têm sobre a mais-valia de possuírem uma licenciatura ou um mestrado é um aspeto que deve ser tido em conta. A maioria olha para essas qualificações como uma oportunidade, mas ainda há um conjunto de estudantes e famílias que não veem vantagens neles. Será a divulgação das instituições suficiente? Não haverá necessidade de o próprio Estado desenvolver campanhas de esclarecimento sobre a importância que os estudos têm na vida das pessoas, por via das oportunidades que deles resultam?

A qualificação dos jovens - e menos jovens – deve ser um desígnio nacional. Já noutras ocasiões defendi um pacto de Estado para a educação. Menos nove mil alunos obrigam a uma reflexão séria e honesta. Certamente que o mais fácil é dizer que há instituições de ensino superior a mais e que devem reduzir-se. Já houve governantes que no passado o defenderam e certamente que haverá políticos que olham para estes números como a oportunidade de fechar estabelecimentos. É importante que a comunidade, sobretudo aquela que vive no interior – locais onde inevitavelmente as instituições de ensino superior terão uma quebra na procura dos seus cursos – perceba o que as universidades e politécnicos representam para as suas regiões.

A rede de ensino superior é – já o defendi em diferentes fóruns – o principal instrumento de coesão territorial do País. É o único que, qualificando e tornando Portugal mais qualificado, fortalece a economia das regiões (por cada euro do Orçamento de Estado/OE investido nas instituições geram-se retornos de 3 ou 4 euros. Ou seja uma universidade ou politécnico que receba, por exemplo, 25 milhões de euros do OE pode gerar no seu território cerca de 100 milhões de euros).

A rede de IES, aliada a outras políticas de desenvolvimento promovidas pelas autarquias e pelo Estado (como habitação e apoio à abertura e fixação de empresas), permite ainda que muitos quadros - leia-se jovens que concluíram os seus cursos – fiquem a residir e a trabalhar nas regiões em que fizeram a sua formação.

Exige-se ponderação, visão e honestidade. Falamos da qualificação do país, da sua competitividade, da sua existência enquanto espaço de justiça, em que o que é diferente deve ser tratado de forma diferente, sem populismos, nem conversas fáceis. Que assim seja.

João Carrega
Diretor carrega@rvj.pt
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