Mais do que o descongelamento das propinas no ensino superior, a partir do ano letivo 2026/27, deve preocupar-nos o conceito e a ideologia que está por trás da medida anunciada pelo Ministro da Educação, Fernando Alexandre. Refere o governante, em entrevista concedida à SIC Notícias que “há uma grande desigualdade de acesso ao ensino superior. Reduzirmos as propinas é colocar toda a sociedade a pagar o ensino daqueles que tiveram o privilégio de frequentar ensino superior e isso é regressivo”.
O acesso e frequência do ensino superior público não podem ser classificados como um privilégio. Nunca. A possibilidade de todos os cidadãos poderem aceder a um curso de ensino superior público deve ser mais democratizada e não o contrário. Não deve ser referida, sobretudo pelo responsável máximo da educação, ciência e inovação do nosso país, como um privilégio de alguns que todos temos que pagar. Esta, mais do que o aumento das propinas nas licenciaturas e nos mestrados integrados, é a questão de fundo.
A ideia de que quem está a frequentar uma licenciatura é um privilegiado não só é grave, porque leva a conceitos populistas de que o país não deve pagar a educação dos seus e que não necessitamos de mais gente qualificada. É um argumento que subverte aquilo que a reforma de Veiga Simão e, em sequência, o 25 de Abril de 1974 trouxeram ao nosso país: a democratização da educação a todos os cidadãos e nos diferentes níveis de ensino.
A aposta que a tutela procura concretizar no pré-escolar - não esquecer que Eduardo Marçal Grilo foi, enquanto ministro da Educação, um dos impulsionadores dessa área - deveria ser vista como um sinal para o futuro percurso académico de todos. Ao invés, terminado o ensino obrigatório, os estudantes podem candidatar-se ao ensino do privilégio.
A rede de universidades e politécnicos existente no nosso país - robusta, que garante a qualificação de todos os que queiram ter uma formação superior e que é o principal instrumento de coesão territorial do país - tem a capacidade de democratizar o saber e, ao contrário do que afirma o ministro, não acolhe privilegiados. Acolhe estudantes que têm o direito de estudar mais e, assim, dar novas oportunidades a Portugal. A capilaridade existente não garante privilégios, mas sim capacidade de conhecimento, inovação, investigação, democratização e mundo.
Não são as propinas que vão inviabilizar o acesso dos estudantes a um curso superior – mas compreendo as reivindicações dos estudantes. O alojamento e a alimentação são os custos mais elevados, pagos, sobretudo, pela classe média – sem acesso a qualquer tipo de apoios do Estado - que coloca os seus filhos e filhas no rol dos privilegiados. Já viram??? Então agora pomos o país a pagar o ensino superior público para que uma mão cheia de beneficiários possa estudar?
Acontece que o Estado paga apenas uma parte dos custos com as instituições de ensino superior públicas – repito públicas (o valor nem é suficiente para fazer face aos vencimentos das universidades ou politécnicos). E são, sobretudo, as famílias dos privilegiados que suportam os custos, não só pelos impostos, mas também pelo dinheiro que deixam nas economias das regiões em que os seus filhos e filhas estudam. Jovens que, depois de diplomados, vão dar o seu retorno ao país e, em muitos casos, aos territórios onde concluem os seus cursos, criam as suas empresas ou ali se empregam, constituem família e promovem, assim, coesão social e territorial.
Diria que o ensino superior não é um privilégio, é uma obrigação que o Estado tem que assumir - melhorando o que tem feito até aqui - para com os seus. Ter mais estudantes nas universidades e politécnicos é uma prioridade nacional que a médio-prazo o país vai agradecer. Os interesses corporativos e económicos - a par de ideologias perigosas e limitativas - não se podem sobrepor aos reais interesses de Portugal.
Quando olhamos para o número de candidatos que este ano entrou pelo Concurso Nacional de Acesso (uma diminuição de nove mil candidatos na primeira fase e de cerca de 2700 na segunda) - não por falta de aviso das instituições que com a obrigatoriedade de mais exames obrigatórios para as candidaturas e uma maior percentagem dos mesmos para as notas de entrada, em devido tempo fizeram o alerta - e não há abertura da tutela para alterar as regras (colocando as que vigoraram no período Covid até ao ano passado), o futuro não se avizinha fácil. O anúncio do descongelamento das propinas é apenas uma pequena gota de água num oceano de ondas gigantes que temo esteja para chegar, colocando em perigo a rede de ensino superior existente, qual tsunami educativo.
É nestas alturas que se precisam de líderes firmes (nas universidades, politécnicos e autarquias), sem medo, capazes de, em conjunto, defenderem os interesses do país, das regiões e das suas instituições e com força para não cederem a qualquer tipo de pressão “influente”. Se assim for certamente que o ensino superior se manterá como uma escola para não privilegiados, livre a capaz de assegurar o futuro do país.