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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Primeira Coluna Alojamento no ensino superior, o pesadelo que deveria ser esperança

10-07-2023

Aproxima-se a primeira fase do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior e com ela as decisões que podem mudar a vida de muitos jovens. O momento deve ser encarado pelas famílias e pelos candidatos com responsabilidade, racionalidade e determinação. Neste processo, que nem sempre é fácil, e onde uma décima ou um valor significa a entrada, ou não, no curso desejado, desistir é uma palavra que não deve entrar na equação.
É certo que o modelo português de seriação dos candidatos é baseado na média das notas finais do secundário com o exame nacional exigido (a percentagem difere de instituição para instituição), e que a discussão em torno desse modelo tem dividido muitos dos atores do ensino superior e da educação em Portugal. Mas é este que vigora e é com ele que todo o processo de candidatura, através do Concurso Nacional de Acesso se processa.
Este modelo permite aos alunos candidatos terem uma perceção, tendo em conta a última nota de entrada nos diferentes cursos, da oferta formativa que podem ou não almejar. Esta decisão constitui a primeira dor de crescimento de um processo que será o início de uma nova etapa na vida de muitos jovens. A opção a tomar deve ter em conta as diferentes possibilidades e o facto da rede de ensino superior em Portugal ser muito abrangente e de abraçar todo o território com uma oferta formativa vasta.
Mas se a candidatura é um momento importante, o anúncio das colocações, a matrícula e o alojamento, sobretudo este último, constitui um dos principais problemas que os jovens e as famílias enfrentam. Ao elevado preço de um quarto soma-se o facto da oferta ser menor que a procura. E este é um drama para todos. As instituições correm o risco de ter alunos colocados não matriculados. Os estudantes muitas vezes são obrigados a desistir de continuar estudos. Os territórios perdem a oportunidade de acolher e fixar massa crítica. O país hipoteca a sua qualificação, que é seguramente a principal arma que tem no contexto de competitividade global.
A falta de alojamento fez com que o Governo lançasse, com fundos do Plano de Recuperação e Resiliência o Plano Nacional para o Alojamento para o Ensino Superior, que pretende reforçar o alojamento estudantil em 51 concelhos e que correspondem, contando com novas construções e adequações e reabilitações, a cerca de 18 mil camas. É um esforço de muitos milhões de euros (mais de 440), o maior que o Estado fez num curto período, mas que só em 2026 estará finalizado.
A falta de alojamento estudantil não é nova. As associações académicas, reitores de universidades e presidentes de politécnicos têm vindo a fazer alertas sucessivos. Como em muitas outras matérias, entendo que o poder local se demitiu, na maioria dos casos, de ser parte da solução, revelando falta de estratégia, de ambição e de reconhecimento da importância das instituições de ensino superiores das suas regiões. A esta falta de estratégia junta-se, não raras vezes, divergências políticas e de protagonismo entre quem dirige as autarquias e quem lidera as universidades ou politécnicos.
As posições pessoais e as diferenças de opinião sobrepõem-se ao interesse daquilo que é o desenvolvimento do país, das regiões e das instituições de ensino, num jogo mesquinho, sem sentido. Não perceber aquilo que a falta de alojamento significa para as instituições, as cidades e regiões, e para o país, é não entender que as universidades e os politécnicos são motores de desenvolvimento.
Também o Estado central se tem demitido no encontrar de soluções rápidas e ágeis, colocando sempre a burocracia à frente da necessidade. São muitos os imóveis que pertencem ao Estado, em diferentes regiões, que estão devolutos e que poderiam ser requalificados para residências de estudantes. Mas o processo é lento, exige muitos papéis, despachos, autorizações, avaliações e projetos (entre organismos do mesmo Estado), o que faz com que aquilo que parecia uma boa ideia não passe disso mesmo.
Chegámos, portanto, a um ponto de rotura. E para os jovens que vão entrar no ensino superior ou que já lá estão, que estão deslocados das suas regiões, a procura de alojamento, que deveria ser motivo de satisfação e realização por verem cumprida mais uma etapa das suas vidas, constitui, em muitos casos, um pesadelo. Pela falta de quartos, pela má qualidade dos quartos, pelos preços exagerados (em Lisboa podem chegar aos mil euros). E isso deve envergonhar-nos a todos, mas sobretudo a quem, tendo responsabilidades, muito apregoa e pouco concretiza.

João Carrega
Diretor carrega@rvj.pt
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