Em fase de relançamento da sua carreira, o rapper GAMA WNTD propõe-se erguer a voz dentro da comunidade sobre muitas temáticas do dia a dia. Como forma de celebrar o amor, «Saudade» é a sua mais recente proposta musical.
«Saudade» é a sua mais recente proposta musical, disponível desde meados de junho nas plataformas digitais. Este single celebra o amor que resiste, pese embora a distância. É uma experiência pessoal transformada em canção?
Em parte, sim. O tópico do amor está quase sempre presente nas minhas narrativas. Muitas vezes não se fala da dor real e do que verdadeiramente se sente. Gosto muito de falar de temas com profundidade e que, por vezes, não temos coragem para partilhar. Por isso, abraçar a realidade é uma constante nos meus tempos. Se não for possível que a relação entre duas pessoas sobreviva, pelo menos celebremos o amor que existiu e mantenhamos uma saudade saudável no ar.
Há uma passagem da letra da música que diz «a distância separa corpos, mas não corações». É esta a essência das suas composições?
Sem dúvida. Por outras palavras, «não nos vemos, mas eu deixo-te aqui dentro».
O press da sua editora, a Universal Music Portugal, fala de uma nova fase criativa. Significa uma viragem na carreira artística?
Significa. Sempre fui um artista que lançava músicas mais esporadicamente. Uma vez por ano, por exemplo. Uma ou duas faixas, no máximo. Nesta fase quero dedicar-me mais aos meus fãs e entregar-lhes algo mais para eles ouvirem. A pessoa é a mesma, mas oferece mais quantidade e oferta a quem a ouve. Proponho sair da minha zona de conforto com alguns temas que vou lançar e também abraçar participações que ainda não tinha abraçado. Em suma, vou estar mais presente, mas não abandonando a mesma temática nas músicas.
O amor, a perda e a conquista são o rastilho para as suas composições. A realidade do país, nomeadamente, as desigualdades, a xenofobia e a intolerância não o motivam a escrever?
É uma pergunta muito interessante. Há cerca de dois meses juntei-me com um guitarrista que é o Pedro Maia e foi precisamente esse o mote para os temas que vou lançar ainda este ano, e onde se aborda a pressão social que existe, o facto de os jovens não se sentirem inseridos na escola e nem na própria casa, etc. Não é possível evitar falar desses temas e quem tem voz deve fazer ouvi-la. Já agora, posso antecipar um tema, que se chama «Sozinha», e que espero lançar este ano. Fala da solidão, não de amor, mas pessoal e de não se sentir inserido, muitas vezes em lado nenhum. Uma pessoa que sofra uma injustiça ou uma desigualdade pode fazê-la questionar o seu amor e valor próprio.
Nesta era das redes sociais há o paradoxo de podermos ter milhares e milhares de seguidores, mas quando fechamos a aplicação, estamos mais sozinhos do que nunca…
Isso é 100 por cento verdade. Por isso, façamos erguer a nossa voz dentro da comunidade para que transformemos a solidão em abraços.
É uma das referências da nova geração do rap português. Capicua, também natural do Porto, é um nome maior, com a crítica social bem presente nas suas composições. Neste contexto, pode dizer-se que o rap nacional está de boa saúde e recomenda-se?
Estamos a ter uma vaga de artistas que representa cada vez de forma mais fiel a realidade que nos rodeia. Há uns anos o rap era visto como um nicho musical, um estilo de música mais agressivo, muito centrado nas críticas de teor mais negativo. Agrada-me saber que nos últimos tempos se conferiu um significado e uma orientação diferente a este estilo musical. Já se começa a tornar uma luta comum para que todos consigamos atingir algo. Por isso, o rap é, hoje em dia, muito mais inclusivo, por falar de uma grande abrangência de temáticas, dirigido a todos. O rap é uma música para todos, onde se pode abordar tudo. Não há temas tabu.
No tempo da revolução dizia-se que a cantiga podia ser uma arma. O que é que o rap pode ser?
Acredito que pode ser uma arma, sim, mas pelo lado positivo. Há muitas pessoas que pensam nas coisas, mas não têm coragem de se expressarem. Se virem alguém a fazê-lo, livremente, isso pode estimulá-las a partilhar publicamente o que pensam, porque chegaram à conclusão que querem mudar e fazer diferente. O poder da palavra é sempre uma arma. Com a particularidade de nos dias de hoje já não existirem os chamados filtros.
O seu grande êxito é a música «Borboletas», que obteve 8 platinas – 16 milhões de visualizações só no YouTube – e foi concebida em 2020, no período mais difícil da pandemia…
Esse foi uma espécie de meu lema do Covid: parou tudo, mas para mim parece que foi quando tudo começou. Foi a segunda música que lancei e lembro-me que o país estava confinado. Escrevia muito, mas sou muito perfecionista, o que idealizo, por vezes, demora muito tempo a concretizar. Escrevi «Borboletas» e gostei. Estávamos muito tempo no estúdio. E fui incentivado a lançar essa música.
Já quase não se vendem discos fisicamente, à exceção de alguns vinis. O caminho para chegar aos fãs e para fazer espetáculos passa mesmo por vingar nas plataformas digitais?
Não há outro caminho, isto apesar de os vinis estarem a regressar. Tudo passa pelo Spotify, Apple Music e pelas redes sociais, que têm de ser muito bem trabalhadas. São as únicas maneiras de chegar aos fãs.
Iniciou o seu percurso musical aos 13 anos. A música foi sempre o seu foco ou disputou a atenção com o percurso escolar?
A música surgiu em casa, não na escola. Cresci numa casa onde a minha avó cantava muito fado, o meu avô era pintor. Nunca tive a aspiração de ser cantor. Na verdade, queria seguir a carreira de moda. Era a minha grande ambição. Tirei artes, sempre com a moda no horizonte, e depois por influência da minha mãe e de alguns amigos dei os primeiros passos na música. Foi um risco que assumi, mas correu bem e por aqui fiquei.
Em Portugal, é possível viver da música?
No meu caso a ideia é viver da música. Para sempre fazer música e mostrar as minhas criações aos meus fãs. Sinto que tenho muito para dar e para dizer. Tenho uma equipa e uma editora muito sólidas que me impulsionam a ir mais à frente. Relacionado com a música, também criei um estúdio. Mas ainda sonho, um dia, tirar um curso de moda, desempenhando trabalho em paralelo com a música.
A CARA DA NOTÍCIA
O voar das «Borboletas» em plena pandemia
Henrique Gama (GAMA WNTD) nasceu na cidade do Porto, a 16 de junho de 1999. É um dos nomes mais fortes da nova geração do rap feito em Portuga, aliando versatilidade sonora e um registo íntimo e emocional. iniciou o seu percurso na indústria musical com 13 anos, no entanto, apenas em 2019 oficializou o tiro de partida da sua carreira com o lançamento do primeiro single “100 problemas”. O seu tema «Borboletas» foi mesmo a música portuguesa mais ouvida no ano de 2021, em plena pandemia, pulverizando vários recordes nas plataformas de streaming. «Saudade», editado pela Universal Music Portugal, é o seu mais recente single.