Zarko divide a sua vida entre os palcos e o curso de Medicina que está prestes a concluir. O jovem artista madeirense garante que enquanto «a onda da música estiver a dar, continuarei a surfá-la.»
Gonçalves Zarco é o apelido do navegador que descobriu a ilha da Madeira e Porto Santo, no início do seculo XV, tendo sido isso que inspirou a escolha do seu nome artístico, Zarko. Sente-se, de algum modo, uma espécie de descobridor de novos sons e novos ritmos?
Essa é uma boa metáfora. Sinto-me um descobridor e um navegador de várias formas e em diversas terras. Sempre viajei muito pelo mundo, até porque o meu pai é treinador de futebol. Desde os meus 10 anos que o acompanho sempre para o clube onde ele vai. E fruto disso cheguei a morar em Atenas, no Mónaco, em Braga e em Lisboa. E, naturalmente, estas experiências abriram-me a mente em muitos aspetos e acabam por impactar imenso a minha música. Uso várias línguas nas minhas composições e até há uma em que uso, em simultâneo, o francês, o inglês e o português. No álbum que editarei até final do ano, e que se vai chamar «Simbiose», temos faixas em português e inglês.
Nas suas composições alia o “R&B”, o “hip hop” e o “indie pop”. Como é que tem sido o processo de construção da identidade artística?
Quando comecei a fazer música, imitava alguns artistas que ouvia. Gostava muito do “rapper” Juice WRLD e copiava de alguma forma o que ele fazia, tanto em termos instrumentais, como de voz. Com o tempo, procurei perceber o que funcionava melhor comigo e fui limando arestas, no sentido de ir sempre melhorando. No início fazia muito “trap”, que é basicamente “rap”, mas hoje constato que o que me dá mais prazer ao vivo é tocar com instrumentos reais, uma guitarra, um piano e uma bateria. Para além, naturalmente, da composição. Ao longo deste processo de metamorfose evoluí para o “indie pop” e o “hip hop”, e considero que agora já estou a criar algo único e que revela a minha identidade artística. Modéstia à parte, não vejo em Portugal ninguém a fazer o que eu estou a fazer.
Viveu oito anos no principado do Mónaco, inclusive durante o período mais crítico da pandemia. E é ao fim de cinco meses de confinamento que desperta para a música. Qual foi o gatilho para as primeiras composições?
Para começar, um contexto de solidão e o excesso de tempo livre. No Mónaco os apartamentos são super pequenos. Eu e a minha família não saímos de casa durante quatro ou cinco meses. Pelo menos eu nunca pus um pé fora de casa nesse período. Comecei a estudar música cedo, com 4 anos, mas nos meses de isolamento aprofundei muito os meus conhecimentos. Li imenso, aprendi a tocar melhor piano e guitarra e compus horas a fio, produzindo com o “Logic Pro”, só parando para alimentar-me e para fazer exercícios de ginástica em casa.
Este verão foi bastante preenchido em espetáculos, com destaque para as participações no Alive e no Marés Vivas. Qual é a sensação de ouvir milhares pessoas entoarem as músicas produzidas na solidão de um quarto?
Não tenho palavras para descrever o que sinto. Tocar em palco e partilhar o meu trabalho com outras pessoas é o que me dá mais prazer. No meu primeiro ano de faculdade lembro-me de na minha sala por os auscultadores para simular que estava a cantar para uma plateia gigante e as paredes eram o público. Essa simulação tornou-se realidade e é isso que me motiva a fazer mais e melhor música.
As faixas «1,2, 3», «Aprovação» e «Só faltam 10» são, provavelmente, as que mais êxito tiveram na sua carreira. Esta última nasce do afastamento físico da sua namorada quando estudava em Erasmus, em Saint Étienne (França). As suas composições derivam, em grande parte, das suas circunstâncias pessoais?
Vou buscar influências à minha vida pessoal e também ao mundo que me rodeia. Mas não é necessariamente o foco. Para mim, o projeto final de uma canção tem necessariamente de transmitir uma mensagem com significado. Componho a melodia, o “beat” por trás, e só depois é que penso o que é que quero dizer. Mas a construção é feita de forma progressiva e por vezes de modo não muito lógico.
Trabalhar a presença nas plataformas digitais é hoje um imperativo para qualquer cantor. O êxito das carreiras depende, hoje em dia, mais do talento ou da visão estratégica/”marketing” do artista?
Cada vez mais a vertente do “marketing” adquire uma nova importância. No tempo do Kurt Cobain se houvesse TikTok e se lhe perguntassem se ele queria entrar, diria prontamente que não. Ele e outros músicos do tempo dele não iriam gostar muita desta dimensão do “marketing” como a que agora existe. Eles queriam era tocar e criar música. Mas respondendo, em concreto, à pergunta formulada acredito que é possível, atualmente, ter sucesso “só” por ter talento musical, mas concordo que é difícil encontrar, tanto cá como no estrangeiro, artistas que não combinem as suas carreiras com talento musical e aposta em “marketing” e presença em redes sociais. Para um artista que está a começar a carreira, e que quer ter sucesso, é impossível não seguir este rumo.
Está no sexto ano do curso de Medicina na Nova Medical School. Como concilia as dimensões artística e a académica?
Para ser franco, a música nos primeiros quatro anos da faculdade esteve muito pouco presente na minha vida. Era 98 por cento de faculdade e 2 por cento de música. Mas a partir do quinto ano de curso a carreira musical ficou algo mais séria, coincidindo com o êxito da música «1,2,3». Foi a partir daí que os “streams” no Spotify começaram a disparar e houve necessidade de aumentar a presença nas redes sociais. Já este ano assinei o contrato com a editora Universal Music Portugal e as responsabilidades passaram, naturalmente, a ser outras. O foco está muito mais na música. Por isso, este ano já não consegui ser um aluno tão bom na faculdade. Passei a tudo, mas de uma média de 15 fui para 12.
Como perspetiva o futuro: uma carreira nos palcos, nos corredores hospitalares ou no centro de saúde?
Depois de terminar o sexto ano do curso, que espero aconteça em 2026, teria, teoricamente, a prova nacional de acesso, para uma especialidade médica, mas já decidi que não a vou fazer. Ficarei como médico de clínica geral. Tenho a plena noção que os pontos altos de uma carreira musical não duram para sempre, são efémeros. Mas enquanto a onda da música estiver a dar, eu vou estar nela, continuarei a surfá-la.
Em que medida é que o estudo da Medicina influência as composições musicais?
Várias faixas do próximo álbum, “Simbiose», têm referências médicas, sobretudo na área da cardiologia. O amor e o coração estão muito presentes.
A CARA DA NOTÍCIA
Entre a música e a Medicina
Nélson Caldeira, nome artístico Zarko, nasceu na ilha da Madeira, há 23 anos. Devido ao percurso profissional do seu pai, treinador de futebol, viveu em várias cidades de Portugal e do mundo. Estreou-se em 2021 com “Do You Wanna Ride”, seguiram-se “1,2,3” e “Aprovação”, que deu origem à mediática campanha do “Jovem no Metro”. “Belém a Camberra” sucede a “Só Faltam 10”, tema que conquistou o público através das rádios e de uma “trend” no TikTok. No final do ano lança o seu primeiro álbum, enquanto concilia a carreira musical e o curso de Medicina na Nova Medical School, em Lisboa.