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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Opinião Atenção cativa

Cativar a atenção é a primeira e talvez a mais importante das técnicas de publicidade que os estudantes exercitam nos cursos de marketing. Para prender a atenção de quem ouve, vê, ou lê mensagens publicitárias, é importante construir estratégias de comunicação que convençam o cliente através de técnicas sedutoras, que favorecem a excelência dos produtos propagandeados.
A arte e o engenho de convencer, têm a idade da humanidade, mas o seu desenvolvimento exponencial ocorreu no decurso da revolução industrial do século XIX cuja invenção mais relevante terá sido a máquina a vapor. Diversificaram-se as suas funcionalidades, desde o desenvolvimento da ferrovia - motor do desenvolvimento industrial - até à máquina rotativa, cuja capacidade de produção permitiu a disseminação da informação e subsequente democratização. A indústria respondeu às necessidades do público e acelerou a impressão de livros, jornais, revistas e folhetos. Mais tarde, já no século XX, a rádio e a televisão vieram sentar-se à mesa dos negócios comunicacionais, que continuaram a garantir a viabilidade económica através das verbas publicitárias e também da subscrição de assinantes.
Nas duas últimas décadas do final do século, com o advento do digital, as tecnologias comunicacionais evoluíram e a informação ganhou dupla dimensão: local e global. Daí surgiu o neologismo “glocal”, esforço imperfeito para caracterizar a oposição existencial de contrários. Dada a multiplicidade de fontes de interesse existentes na Net, a economia da atenção entrou em crise e os fundamentos dos modelos do negócio da comunicação experimentaram as primeiras dificuldades económicas.
Na aldeia tribal em que o mundo digital se transformou, o acesso à informação deixou progressivamente de ser livre e em muitas situações o acesso está restringido pela exigência de pagamento de assinaturas. Em algumas empresas os dados pessoais são cruzados com outras informações sobre o perfil dos assinantes. É assim possível gerar lucros extraídos dos traços da personalidade, das leituras, compras e demais dados recolhidos em múltiplas instâncias digitais. Ao optar por uma dada marca, ao frequentar sítios nas redes onde grupos de pessoas se organizam e manifestam em função das suas convicções políticas, sociais e religiosas, o “cliente” passa a ser a matéria prima valiosa de um negócio de compra e venda de bases de dados pilotadas por algoritmos de inteligência artificial. Nelas se guardam os perfis para serem usados em negócios cuja legalidade é questionável, tal como ficou demonstrado no modo como eleitores indecisos foram influenciados nas eleições que em Inglaterra conduziram ao abandono da União Europeia, nos E.U.A. ao triunfo eleitoral de Trump sobre Hillary Clinton e no Brasil de Jair Bolsonaro, para mencionar apenas os mais mediáticos.
Parte da humanidade que trabalha ou se diverte no mundo digital facilita - sem disso ter plena consciência - dados comportamentais, ideológicos e biológicos que poderão ser organizados em bases algorítmicas. Estas podem alimentar a distopia económica, social, moral e política em que a democracia, tal como a verdade, são as primeiras vítimas. As formas de vigilância tipo big brother orwelliano, ficção científica do século XX, estão ativas e tanto empresas, como governos vigiam, identificam e, em certos casos, neutralizam movimentos “incómodos”.

Carlos Correia
(Professor universitário)