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Paula Franco, bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados ‘Esta crise combate-se com a manutenção do emprego e salvando empresas’

23-11-2020

No ano em que a profissão comemora 25 anos de regulamentação, a bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) defende que se não fosse o trabalho destes profissionais os apoios ainda estariam por chegar a muitas empresas. Paula Franco refere que o governo deve ir mais longe nas ajudas financeiras à economia, nomeadamente a fundo perdido, justificando que a esmagadora maioria das empresas não tem margem para se endividar.

A pandemia está a colocar em risco milhares de empresas e de postos de trabalho. Vislumbra alguma luz ao fundo do túnel?
É certo que não há economia sem saúde e também não há saúde sem economia.
Ter o sol na eira e a chuva no nabal seria a resposta a esta espécie de «tempestade perfeita» que nos assolou a todos. Mas já se viu que o equilíbrio entre ambos é impossível. O governo e as autoridades de saúde cometeram erros, como aconteceu em todos os países do mundo, mas estou em crer que seria difícil fazer diferente. Não seria possível evitar a destruição económica a que estamos a assistir e que é global. Os setores mais fustigados e a braços com situações mais desesperantes, fruto das restrições e limitações de movimentos, são a restauração, o turismo, o alojamento local e a cultura. Creio que uma eventual retoma está dependente da evolução da pandemia e de quando podemos vir a ter a ansiada vacina. Neste momento é tudo muito incerto para estarmos a fazer previsões. Entretanto, o governo deve continuar a providenciar apoios – nomeadamente a fundo perdido, visto que muitas empresas não têm margem para se endividar ainda mais – e que essas ajudas sejam céleres a chegar a quem dela precisa. O executivo sabe, melhor do que ninguém, que não pode deixar as empresas abandonadas à sua sorte. Prova disso é que já foram ajudadas dois milhões de pessoas desde abril. Mas é preciso que se vá mais ainda longe. Esta crise combate-se com a manutenção do emprego e salvando as empresas. É melhor apoiar hoje, do que pagar subsídios de desemprego amanhã. Os contabilistas certificados cá estarão para fazer a ponte entre o governo e as empresas.

Os últimos meses, desde o eclodir da pandemia, foram de grande desgaste, mas também de grande visibilidade para os contabilistas certificados, nomeadamente pelo apoio dado aos empresários. A profissão sairá reforçada desta crise?
De março até agora, os contabilistas certificados deram, uma vez mais, uma demonstração de uma grande vitalidade enquanto profissão qualificada e de topo que é. Se os médicos e os enfermeiros estão na linha da frente dos cuidados de saúde, os contabilistas certificados têm estado na vanguarda da resposta económica, respondendo às múltiplas solicitações provenientes dos empresários e da própria sociedade civil. Este está a ser um ano de provação às nossas capacidades de resistência e adaptação e penso que, até ao momento, a profissão tem sabido estar à altura do gigantesco desafio e da sua missão de serviço público. Atrevo-me mesmo a dizer que sem o trabalho dos contabilistas – nomeadamente na interpretação dos cerca de 300 diplomas que foram publicados desde março – o dinheiro dos apoios não teria chegado a muitas empresas e que um número ainda mais volumoso teria encerrado portas. Por isso, digo que os profissionais, atualmente, estão mais preparados para dar respostas.

A relação entre empresários e contabilistas, nem sempre fácil, pode ser estreitada?
Esta crise está a aproximar contabilistas e empresários. Os contabilistas têm ajudado os empresários a descodificar, interpretar e aplicar a catadupa de legislação e a forma como podem candidatar-se aos apoios que o Estado tem vindo a disponibilizar. Por isso, entendo que estes momentos difíceis que todos temos vivido contribuíram para aumentar a confiança mútua entre empresários e contabilistas. Os contabilistas são o braço direito dos empresários e têm sabido ser os seus parceiros e os conselheiros nesta altura particularmente angustiante, em que muitos gerentes não sabem como honrar os seus compromissos, seja no pagamento de fornecedores e dos próprios colaboradores.

É frequente ouvir-se que a profissão de contabilista certificado será das mais afetadas com a digitalização de processos. A pandemia veio demonstrar o contrário?
Precisamente. A pandemia tem reforçado a convicção de que os contabilistas são os guardiões da sustentabilidade das empresas e da economia do país. Seja em períodos de prosperidade ou de crise, como os que agora atravessamos. Os contabilistas são, por isso, parte da solução. Confesso que fico perplexa quando oiço os profetas da desgraça augurarem o fim da contabilidade e dos contabilistas. Nada mais errado. Estes profissionais são cada vez mais necessários, principalmente ao nível do apoio à gestão. Parafraseando o escritor norte-americano Mark Twain sobre as notícias que davam conta do seu desaparecimento, devo dizer que o anúncio da morte da contabilidade e dos contabilistas é um manifesto exagero.

Mas não admite que falta algum reconhecimento social à profissão?
Existia, mas até isso está a mudar. Mas admito que o esforço tem de partir de nós. Os contabilistas são excelentes profissionais, mas têm de se saber «vender» junto dos seus clientes. A componente do marketing tem de ser melhorada. A Ordem tem, ao nível da formação, investido nesse domínio. Ou seja, para além do trabalho prático que os profissionais desenvolvem, há que passar a mensagem que a contabilidade acrescenta valor às empresas e à própria economia.

As reuniões livres semanais tornaram-se um verdadeiro case study, com milhares de espetadores (e não apenas contabilistas) que as seguem através do canal da Ordem no YouTube. O que é que torna este modelo tão atrativo e popular junto dos vossos membros?
A Ordem começou a transmitir as reuniões livres de Lisboa, quinzenalmente, desde 2018, através do nosso canal no YouTube. Tinham uma boa recetividade, mas como em simultâneo se realizavam outras sessões em todos os distritos do país, é natural que as visualizações não fossem muito elevadas. Ainda antes de ser decretado o confinamento, no final de março, as reuniões livres com público foram suspensas a nível nacional e passámos a transmitir apenas a de Lisboa, com periodicidade semanal. Escusado será dizer que os profissionais passaram a ter nestas reuniões das quartas-feiras uma espécie de ponto de encontro virtual. Nelas é possível fazer uma análise do que foi publicado na última semana em termos de legislação e responder a centenas de questões formuladas por membros sobre assuntos tão diversos, como o IRS, o IRC, o IVA ou a Segurança Social, sem esquecer os pacotes de apoio do Estado. Só para ter uma noção do fenómeno, o vídeo da reunião livre de 8 de abril, acumula mais de 63 mil visualizações, o que é revelador do interesse que estas reuniões suscitam, não apenas nos contabilistas, mas também junto de empresários, advogados, gestores e até jornalistas. É por isso que eu digo que a OCC, mesmo em tempos de pandemia, é uma instituição sem paralelo no associativismo português, seja pelo seu número de membros, como pela dinâmica que imprime a todas as suas iniciativas que promove.

O ensino da contabilidade nas instituições de ensino superior encontra-se adequados aos tempos atuais ou sugere algum tipo de atualização às novas tendências e metodologias?
A Ordem mantém um contacto estreito e permanente com as instituições académicas que ministram cursos por nós reconhecidos. Temos a noção que não é possível parar no tempo e manter padrões de ensino do antigamente. O recurso às plataformas digitais é uma inevitabilidade. Mas o mais importante é que o ensino e a avaliação sejam cada vez mais exigentes e cada vez mais adaptados à realidade económica e empresarial do país. É isso que temos procurado fazer nos exames de avaliação profissional que dão acesso à Ordem. Costumo dizer aos novos membros que vão receber o diploma, que a verdadeira aprendizagem começa agora. Esta é, seguramente, uma das profissões mais exigentes do mercado laboral, porque os profissionais têm de ter conhecimento abrangente sobre matérias tão diversas como a fiscalidade, gestão, contencioso tributário, segurança social, código das sociedades comerciais, etc. Mas só o saber técnico não chega. Trata-se de uma profissão apaixonante, que exige dedicação, empenho e nervos de aço, em que só consegue singrar quem realmente gosta daquilo que faz. Mas a ética no trabalho e a lealdade entre pares são valores de fulcral importância. Veja o que aconteceu recentemente, com os bancos a pressionarem contabilistas para manipularem balanços e com alguns profissionais a cederem. Tanto é condenável a pressão, como a cedência. Repito: um contabilista pode ser tecnicamente muito bom, mas se não for eticamente irrepreensível, tarde ou cedo, essas práticas acabarão por manchar o seu trabalho.

Sabemos que os contabilistas não existem sem empresas, mas antecipa-se uma grande sangria ao nível do tecido empresarial. Teme que a empregabilidade da profissão seja colocada em causa?
O espaço de manobra do contabilista vai ser ampliado, fruto do aumento da importância do relato. O que se antecipa é a extinção da figura do escriturário na contabilidade, fruto da digitalização das tarefas puramente mecânicas, de classificação e lançamento. Mesmo no atual contexto de pandemia, os contabilistas têm um enorme campo de atuação à sua merce e podem, com o seu trabalho especializado, acrescentar valor. O contabilista do futuro pode fazer a diferença para a boa prestação de contas. Seja como contabilista público, na administração pública, seja por exemplo, para promover a transparência no processo distribuição dos fundos provenientes da União Europeia. O contabilista tem know how para ser parte ativa neste processo.

A Primavera BSS alertou, na primeira “Accounting Summit” em Portugal, que há um contabilista para cada 19 empresas, que sobrevivem com margens operacionais mínimas e no limiar da rentabilidade. A questão das baixas avenças praticadas é um problema? Que solução advoga?
Esse é, seguramente, um dos problemas críticos que assolam a profissão. Se os contabilistas certificados não forem remunerados de forma justa nunca serão dignificados. Há muitos contabilistas a perderem dinheiro pelas avenças que praticam. Explico: aceitam mais clientes do que deviam e recebem avenças de miséria para a quantidade de obrigações fiscais e contabilísticas que têm. Daqui resulta uma sobrecarga de trabalho e que tem consequências até ao nível dos tempos de descanso que, basicamente, deixam de existir. Contudo, estou confiante que esse paradigma está a mudar, principalmente para as gerações mais novas que entram agora na profissão. Ou seja, menos clientes, mas avenças ajustadas à responsabilidade. Bem sei que os empresários nem sempre querem pagar muito, mas temos de lhes transmitir algumas noções de literacia financeira, algo que muitos deles não têm. As fábricas de contabilidade têm os dias contados.

Prazos apertados, horas a fio de trabalho e margem nula para falhar. As férias fiscais, em agosto, tal como existe para a justiça, é um objetivo antigo da Ordem. O que é que impede que a tutela decrete essa pausa?
O justo impedimento foi recentemente regulamentado e tratou-se de uma enorme e simbólica vitoria para a profissão e para os profissionais. Com muita insistência, foi possível tornar este sonho possível, que visa afastar a responsabilidade do contabilista certificado perante a impossibilidade de cumprir as obrigações declarativas das entidades clientes. As férias fiscais também não são um dossiê fácil e a sua implementação implicará uma reorganização do calendário fiscal, mas é da mais elementar justiça para contribuintes, como para contabilistas. Não é moralmente honesto que a Autoridade Tributária (AT) notifique os contribuintes para pagar impostos em pleno mês de agosto. Por isso, defendemos um período de pausa para o cumprimento das obrigações fiscais durante o mês de agosto, altura em que, por tradição, a maior parte dos portugueses goza férias. Veremos se a proposta do PCP, no âmbito do Orçamento do Estado, pode ser aprovada e consagrada já em 2021.

Tem sido muito crítica das práticas da administração fiscal e no seu crescente afastamento face ao contribuinte. Pode exemplificar com casos concretos?
As situações sucedem-se diariamente. Quer ao nível da aplicação de coimas, penhoras, inspeções realizadas no timing errado e até a dificuldade para agendar uma marcação para resolver um problema numa repartição de finanças. É difícil dialogar com uma entidade como a AT que pauta a sua postura por uma lógica conservadora e irredutível. Felizmente, o secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais tem sido sensível aos argumentos da OCC e tem publicado despachos tendo em vista a simplificação dos prazos para o cumprimento das obrigações fiscais.

A proposta de Orçamento do Estado para 2021 está muito assente no combate à pandemia e na vertente social. Faltaram estímulos fiscais e sinais encorajadores para as empresas?
Compreendo que o ministro das Finanças e o Primeiro-Ministro estejam confrontados com o dilema: como acudir à trágica crise social sem perder de vista a disciplina orçamental? Nós sabemos, e eles também sabem, que não é possível o melhor de dois mundos. Mas têm de ser tomadas decisões e que passam por prolongar os apoios. Nunca nenhum Orçamento do Estado agradou a «gregos e a troianos». E este não é diferente. Relativamente a este documento, um ano atípico como este só podia redundar num Orçamento atípico e sob o signo da pandemia. Um Orçamento é, por norma, feito de escolhas e as deste ano tiveram, praticamente, um só sentido. O enfoque recaiu, praticamente na totalidade, para a componente social, deixando à margem, por exemplo, as empresas e o próprio estímulo fiscal. Apesar de se correr o risco de ser ultrapassado pela realidade nos próximos tempos – tudo irá depender da evolução da pandemia e dos seus impactos sociais e económicos – até ver, este é o Orçamento que nos irá orientar. Este será, pelos piores motivos, um Orçamento que ficará na história e na memória de todos.

Os portugueses continuam a pagar demasiados impostos para as contrapartidas que recebem do Estado?
Esse tem sido um mau princípio seguido pelos governos nos últimos anos. Os orçamentos do lado da receita continuam muito dependentes da receita fiscal, pressionados com as crescentes necessidades de setores como a saúde ou a educação. Contudo, creio que neste orçamento havia margem para mexer no IRC, com uma redução de 50 por cento neste imposto. Era um sinal de motivação que se daria a milhares de empresários que estão com a corda na garganta.

 

25 anos de regulamentação da profissão

Exposição pode ser visitada na sede da OCC, em Lisboa


Foi oficialmente inaugurada a 17 de outubro a exposição comemorativa dos 25 anos da regulamentação da profissão de contabilista certificado. Idealizada e concebida pelo arquiteto albicastrense José Manuel Castanheira, esta mostra, que pode ser visitada todos os dias, entre as 9 e as 20 horas, no foyeur da sede da Ordem, em Lisboa, consta de fotografias, selecionadas ano a ano, dos momentos mais emblemáticos, os marcos da profissão e ecrãs com a projeção de depoimentos recolhidos junto de 16 personalidades diretamente ligadas à profissão, que dão brilho, cor, memória e muita nostalgia a uma alucinante viagem pelas duas décadas e meia da regulamentação de uma atividade cada vez mais decisiva para o dia a dia das empresas e do Estado. Mas o ponto alto da exposição é mesmo o mural com o nome dos 74 386 contabilistas certificados (alguns deles já falecidos), como forma de homenagear o seu contributo para a história desta ordem profissional.

 

Cara da Notícia

Trocar os impostos por miúdos


Paula Franco nasceu a 29 de setembro de 1969, em Lisboa. É licenciada em Gestão de Empresas pela Universidade Autónoma de Lisboa e especializou-se em fiscalidade pelo ISCTE. É contabilista certificada, consultora fiscal, formadora e foi colaboradora do departamento técnico e posteriormente assessora dos dois últimos bastonários da OCC, Domingues de Azevedo e Filomena Moreira, prestando apoio técnico aos membros no domínio da fiscalidade, contabilidade e segurança social. A 5 de março de 2018 tornou-se o terceiro bastonário da história da instituição e já garantiu que será candidata a um segundo mandato. É membro de grupos de especialistas de organizações internacionais como a EFAA e o CILEA, e preside à UCALP, uma organização contabilística que agrega países de língua oficial portuguesa. É presença regular na televisão e nos jornais, na explicação sobre o impacto dos apoios do governo à economia e na forma como as empresas, os empresários e os próprios contabilistas certificados estão a lidar com uma das maiores crises de que há memória.

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