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Diretor Fundador: João Ruivo Diretor: João Carrega Ano: XXVII

Carlos Oliveira, presidente executivo da Fundação José Neves ‘A educação é transformacional para o país’

11-07-2022

A Fundação José Neves tirou a radiografia ao Estado da Nação no que à educação, emprego, competências e desenvolvimento pessoal diz respeito. Criar uma sociedade do conhecimento em 2040 é a meta traçada. Contudo, Carlos Oliveira defende que o sistema de ensino tem de perceber, rapidamente, que o mundo está a mudar a grande velocidade.

Quais as origens e os propósitos desta fundação, ainda jovem, criada por José Neves, empreendedor e fundador da Farfetch, com sede no Porto, e que tem a educação como um dos principais focos para transformar Portugal?
A Fundação José Neves (FJN) iniciou a sua atividade em 2019. Surge por iniciativa de José Neves, fundador e CEO da Farfecht, que entendeu criar uma atividade filantrópica, com retorno para a sociedade e para o país que o ajudou a atingir os sucessos na sua carreira. A educação encontra-se no eixo central da FJN, entendida como fundamental e transformacional para o país, no médio e longo prazo, capaz de alterar a trajetória nacional. O José Neves promete doar dois terços da riqueza gerada ao longo da vida para a Fundação, contribuindo para transformar Portugal numa sociedade do conhecimento, através da educação e do desenvolvimento de competências pessoais.

Até à data, a FJN investiu mais de dois milhões de euros para ajudar à formação de três centenas de portugueses. Este valor traduz-se, em particular, na atribuição de bolsas de estudo?
A nossa aposta baseia-se em bolsas e em programas específicos de formação para o desenvolvimento das competências do futuro, numa ótica de entrada no mercado de trabalho ou formação ao longo da vida.

A FJN também lançou um guia para pais e alunos com recomendações sobre decisões informadas sobre os cursos a seguir. Quais são os principais conselhos?
Não há escolhas certas ou erradas. O objetivo é que sejam tomadas decisões mais fundamentadas e informadas para a carreira académica dos jovens, com base nos dados disponíveis de vários indicadores, existentes na plataforma Brighter Future. Talvez a recomendação mais importante que fazemos é a da desdramatização das escolhas. Hoje em dia, é a própria família que coloca, sobre o jovem, muita pressão por altura de escolher o futuro universitário. O mundo evolui a uma grande velocidade. Os pais destes jovens, ainda eram do tempo em que a escolha do curso que iriam seguir era crucial para os empregos para a vida que iriam ter. Agora não é assim. A escolha dos cursos não perdeu importância, a formação de base continua a ter relevância, mas sem o complemento de uma formação permanente e ao longo da vida, de pouco valerá. Quem hoje faz um curso de Arquitetura, amanhã poderá estar a trabalhar na área digital ou financeira. Atualmente, o mercado de trabalho dá cada vez mais valor à incorporação de pessoas com diferentes competências.

Defendem que a escolha de um curso superior deve ser um ato mais racional do que emocional? Por exemplo, se eu quiser seguir Jornalismo ou Comunicação Social, mas sei que as saídas profissionais são escassas, devo repensar o meu futuro?
Nós não aconselhamos cursos. O nosso trabalho pretende ajudar a que as decisões sejam, acima de tudo, informadas. No cenário que colocou, gostaríamos que a pessoa que tem uma paixão por essa área não tomasse a decisão e depois fosse confrontada com o mundo real porque não se informou adequadamente, nem teve acesso à informação a priori sobre as potenciais saídas profissionais. Admito que há pessoas que valorizem mais uns parâmetros do que outros, sejam as saídas profissionais, os salários, as profissões com melhor qualidade de vida, etc. O importante é que as pessoas não sejam surpreendidas.

As chamadas soft skills estão a prevalecer sobre as hard skills nos critérios de seleção dos empregadores?
Em vez de soft skills, gostamos mais de lhes chamar competências sócio-emocionais, que vão desde o trabalho em equipa, as competências de comunicação e de escrita, etc. com a particularidade de estas não serem competências que se aprendem numa sala de aula, num modelo tradicional de ensino. Portugal, para dar o salto em frente e até para recuperar aprendizagens em atraso, com a pandemia, não precisa de mais tempo de horas de aulas. O que é necessário é promover experiências diferentes e dar acesso a um mundo mais prático. E naturalmente que os empregadores, hoje em dia, valorizam, sobremaneira, estas competências. As competências sócio-emocionais são cada vez, mais relevantes, no mercado de trabalho e acabam por diferenciar duas pessoas saídas do mesmo curso.

Aproximar escolas e empresas é um desígnio partilhado por todos. Continua a existir um desfasamento entre os centros de saber e as necessidades das empresas?
Há claramente um desfasamento. O mercado de trabalho tem muitas necessidades. Basta ver que 20 por cento dos jovens recém-licenciados estão a desempenhar funções que requerem qualificações abaixo das que possuem. Em 2021, cerca de 26 por cento que tinha terminado, três anos antes, um grau secundário ou de ensino superior estava desempregado. Não defendemos que seja o mercado de trabalho a ditar o modelo de ensino, mas há graus de estudo onde deve existir uma perspetiva mais clara daquilo que são competências que o mercado está a valorizar.

O modelo educativo tarda em adaptar-se às transformações?
O sistema de ensino tem de perceber que o mundo está a evoluir, antecipando as mudanças e as tendências e disponibilizando a oferta formativa adequada. O foco da educação e da aprendizagem do país deveria ser formar os portugueses, independentemente da sua idade, com as competências e os conhecimentos que lhes permitam desenvolver com sucesso uma atividade profissional, serem felizes e terem uma boa vida.

Mas o sistema tem deficiências e obstáculos que todos sabemos, a começar pela desmotivação na classe docente…
Temos professores extraordinários. Estes profissionais têm de ser bem pagos e manifestar orgulho no seu trabalho. Na Finlândia, as pessoas são escolhidas para serem professores, porque já foi definida como sendo uma profissão estratégica para o futuro do país.

A FJN estabeleceu a meta de 2040 para que Portugal seja uma sociedade do conhecimento. Ao ritmo atual, esse objetivo é alcançável?
Provavelmente não, mas precisamente o que os estudos da FJN indicam é que é preciso acelerar e alterar o rumo em alguns pontos. Só assim conseguiremos ter profissionais mais satisfeitos e com melhor saúde física e mental, em paralelo com um melhor quadro de qualificações.

O universo empresarial português continua a ser demasiado atomizado, com muitas delas a fazerem das tripas coração para sobreviverem?
Não precisamos de empresas que sobrevivam, mas sim empresas que cresçam. As empresas que sobrevivem são as que não conseguem pagar bons salários. Portugal ainda se baseia muito no paradigma de defender o emprego a qualquer custo, mesmo que seja mal remunerado e mal qualificado. Temos empresas muito pouco eficientes e que acrescentam muito pouco às pessoas e ao país, que estão a ocupar espaço que podia ser preenchido por outras empresas, que oferecem melhores salários e são mais produtivas. Este paradigma precisa de ser urgentemente alterado para bem do país e da economia.

Quando se fala de economia, o Estado e os incentivos veem sempre à baila. Defende um Estado menos paternalista, menos presente e também menos burocrático, propiciando condições para a criação de riqueza?
O Estado intervém na medida em que nós portugueses queremos que ele o faça. A sociedade fala ainda demasiado no Estado e acha que é o Estado que vai desenvolver a economia. Muitas empresas, quando têm dificuldades, em vez de olharem para os seus clientes, viram-se logo para o Estado, em busca de ajuda. O Estado não é, seguramente, a solução para tudo.

Foi secretário de Estado do empreendedorismo, competitividade e inovação no governo de Passos Coelho. Que contributo deve dar quem aceita participar numa missão de serviço público?
Em primeiro lugar, deve dar o seu melhor, entender as falhas, identificar as oportunidades e na sua área de intervenção contribuir, de forma desinteressada e sem agendas escondidas, para aquilo que o país ambiciona. Um erro frequente é não fazermos as perguntas que se impõem e não olhamos para o problema certo. Voltando à educação. Tivemos eleições no final de janeiro e na campanha eleitoral quase não se falou do tema. A pergunta fundamental seria: como qualificamos melhor os portugueses, agora e no futuro, para que eles possuam as competências que depois lhes permitam ter melhores salários?

 

Cara da Notícia

Ex-secretário de Estado no XIX Governo

Carlos Oliveira nasceu em Braga, em 1977. É cofundador e presidente executivo da Fundação José Neves. Licenciou-se em Engenharia de Sistemas e Informática pela Universidade do Minho. Em 2000, fundou a MobiComp, empresa que ganhou reconhecimento nacional e internacional. Em 2008 a empresa foi adquirida pela Microsoft. Foi Secretário de Estado no XIX Governo, com a pasta do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação. Foi nomeado para o Grupo de Alto Nível da Comissão Europeia, que discute a visão das políticas para a Inovação e que levará à criação do European Innovation Council.

 

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Nuno Dias da Silva
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